3.6.17
27.5.17
DO TEMPO SEM TEMPO
À hora das sombras luzentes
da quietude e relento
o sinal da cancela chamou.
À hora do tempo sem tempo
a sulamita depressa foi abrir.
J. Alberto de Oliveira
20.5.17
AS ESTRELAS DE VIENA
São mais que
perfeitas
de tão musicais
as estrelas de
Viena.
No infinito
de língua
nenhuma
acendem
noites e sons escritos
de sonhos e mundos.
Alcançam a lua cheia
de violinos e triunfo.
J. Alberto de Oliveira
12.5.17
DIZER AO OUVIDO
Linho
sol
amor
azul
Ana
fogo
vento
luar
flor
Lia
sal
Rosa
mar
são
nomes
ou palavras humildes
preciosas
simples
e sem sombra
de
erro
quando
as dizes ao ouvido.
J. Alberto de Oliveira
1.5.17
HORAS DE CEIA
Todas as noites
o rosto do amor nos dizia:
– São horas de
ceia!
Eu ouvia e
pensava, repetindo no silêncio de mim:
– São horas de
lavar os pés a quem se ama.
J. Alberto de Oliveira
21.4.17
A SPREZZATURA É UMA ARTE
Quando
Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar o seu primeiro discurso,
na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo do pai, o que
tinha achado do seu desempenho naquela assembleia de vedetas políticas.
O
velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse-lhe em tom paternal:
“Jovem,
cometeste um erro grave. Foste demasiado brilhante no teu primeiro discurso.
Isso é imperdoável. Devias ter começado um pouco mais na sombra. Devias ter
gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstraste hoje, deves ter
conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos.
Jovem, o talento
assusta.”
Ali
estava uma das melhores lições que um velho sábio pode dar ao pupilo que se
inicia numa carreira difícil. Eis um paradoxo angustiante:
O
princípio da inveja. A razão do “imperdoável.”
Há
na língua italiana, a propósito de imperdoável e imperdoáveis
(gli
imperdonabili), alguns vocábulos intensos no seu dizer significante, no seu
vigor e sonoridade:
Intelligenza – faculdade activa do
entendimento e lucidez.
Eleganza – elegância, delicadeza e brio
comunicante.
Piglio – toque, distinção deliberada.
Disinvoltura – desenvoltura, agilidade viva.
Noncuranza – descuido displicente.
Sprezzatura – o supremo brasão da
inteligência unida à sensibilidade e fidalguia, um modo elevado,
negligentemente livre no fazer e dizer, “próprio de mestre seguro de si.” (N. Zingarelli)
A
sprezzatura
é consonante com “maneiras de negligência magistral”. É uma arte.
J. Alberto de Oliveira
Fonte: Novo
Dizionario della lingua italiana Universale (1912) - P. Petrocchir
15.4.17
REVIVESCÊNCIA
No recanto do jardim
a pedra vazia.
A mulher
e o alvorar do dia.
No recanto do jardim
o pulso da mulher
que procura o amigo
deixado em ferida.
Pelo jardim adentro
a mulher correu
levando os perfumes
e letras da revivescência.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: "Ressurreição de Cristo e Mulheres no Sepulcro"
Fra Angelico - Pintor italiano pré-renascentista (c. 1387-1455)
Imagem: "Ressurreição de Cristo e Mulheres no Sepulcro"
Fra Angelico - Pintor italiano pré-renascentista (c. 1387-1455)
11.4.17
REINO DA ETERNIDADE
É
tudo tão absurdo quando me ponho a pensar na distância
que
há entre a vida e o sepulcro.
Assusta-me
não saber o que há dentro do verbo morrer.
Nem
a mim próprio eu peço licença para escrever.
Ando
cada vez mais embaçado e deveras denegrido.
Falo
sem tom nem som.
Até o silêncio me julga louco.
Até o silêncio me julga louco.
Já
me desenharam e mostraram tantas figuras
ou representações da eternidade.
Com
os dias que passam
muitas das imagens escorregam para o caixote do lixo
ou
acumulam-se no sótão desfeitas em poeira.
Jesus disse muito pouco acerca da existência
depois da morte.
Quando
se referia ao transcendente
parece que só conhecia a palavra Pai.
Não deu grandes explicações acerca do além-mundo.
Se
dele tivesse falado com pormenores,
teria reduzido a eternidade ao vulgar.
Jesus falou muito,
isso sim,
desta nossa vida aqui
isso sim,
desta nossa vida aqui
como Reino da Eternidade.
J. Alberto de Oliveira
Pietà de Miguel Ângelo - Photo de Robert Hupka
1.4.17
UM LUXO RARO
Eu
não deixo.
Juro
a pés juntos
que
não deixo falsificar
a
minha natureza chamada
a
um lugar no mundo.
Isto
de ser poeta acordado
pela
inspiração do vento
J. Alberto de Oliveira
23.3.17
A SEDA MUSICAL DE CHOPIN
Ressoa
em sopro e silêncio a imagem
da
mulher que se move na lembrança.
Com
arte e luz de linha subtil
a
mulher resume um livro difícil.
Com razão e sequências da alma
o
ar começa por um fio de seda musical
a entretecer os nocturnos de Chopin.
J. Alberto de Oliveira
Imagem - Eugène Delacroix: Retrato de F. Chopin e George Sand
20.3.17
SUPER FŒTIDA FLUMINA
Pairar
acima das fétidas águas
da
morte.
Oh,
os rios malcheirosos!
Nauseabundas
correm as águas
insanas
dos rios gerais.
J. Alberto de Oliveira
13.3.17
VARIAÇÕES GOLDBERG
Trinta e dois
tempos
musicais
fluindo em
consonância.
A firme
natureza
da geometria tem
cor.
J. Alberto de Oliveira
26.2.17
PROVÉRBIO
Mais
vale um pássaro na mão do que dois a voar.
Provérbio
Mais
vale uma só mão a voar do que dois pássaros.
Herberto Helder
Mais
vale um pássaro na mão do que duas mãos a voar.
J. Alberto de Oliveira
Pintura: "Menina com Pomba" - Pablo Picasso
17.2.17
DO AMOR EM FOGO DE AMORES
Quanto pesa o fulgor
de uma camélia de luz?
Todas as criaturas
respiram o seu próprio nome.
No ar perduram os sinais
do amor em fogo de amores.
J. Alberto de Oliveira
8.2.17
O CÂNTICO DAS CRIATURAS
S. Francisco de Assis
no fim de seus dias
soletrou versos
cantantes.
Resumiu em poucas e
simples palavras a boa nova da criação.
Ditou de cor ao mundo
o Cântico das Criaturas.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: Alberto Péssimo
1.2.17
TODO VIRADO PELO AVESSO
Um dia quero ainda
ver-me
do mesmo modo que
Deus me vê
J. Alberto de Oliveira
21.1.17
A MULHER E A POMBA
Domingo de inverno coberto de sol vivo.
Uma pomba, no meio da rua,
debica nacos de pão, desfazendo-os em migalhas.
debica nacos de pão, desfazendo-os em migalhas.
Aproxima-se um automóvel de alta cilindrada
conduzido por uma mulher.
conduzido por uma mulher.
A condutora, vendo a ave, acelera.
Não fora a pomba uma criatura avisada, pacífica e lesta,
e morreria ali no asfalto, entre as migalhas do seu
sustento.
Eu estremeci por dentro de mim próprio,
dizendo "putain de
monde", que é o da mulher e de seu automóvel.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: Cartaz
concebido por Pablo Picasso (1881–1973) para o Primeiro Congresso
Mundial dos Partidários da Paz
13.1.17
O TIC-TAC RECITATIVO
Há muitos e muitos anos, veio ao mundo um
menino, cujo pai ao vê-lo nascer, correu à relojoaria mais
próxima e comprou um despertador para que a mãe desse de mamar ao seu primeiro bebé a horas
certas da noite.
Trouxe um Petrax.
Ainda se fabrica esta marca de despertadores
suíços?
O menino cresceu, aprendendo palavras
e suas letras,
Um dia escreveu uma redacção, pensando
no Petrax, que lá está em casa, numa estante de livros, repetindo ao longo de muitos e
muitos minutos o seu tic-tac recitativo.
Quando nasci, o Petrax tornou-se
o autor de futuras horas e minutos.
Ainda hoje o seu tic-tac é firme e
robusto.
À força de afectos e palavras, merece a
bonita soma de uma idade altiva.
Enquanto a ciência da mecânica lhe
conferia
o pulsar inocente, vivo, paciente e
ritmado, o seu mostrador envelhecia.
Colaram-se a ele massas de luz e sombras.
Inumeráveis cenas poéticas, adjacentes ao
tempo medido,
transmitiram-lhe o tom sépia das coisas
santificadas.
Fora e dentro do sono, o Petrax é
uma preciosa
acumulação de segredos e memórias.
Fora e dentro do silêncio, ressoam
lembranças
consonantes com o tic-tac recitativo do Petrax doado à minha infância.
consonantes com o tic-tac recitativo do Petrax doado à minha infância.
J. Alberto de Oliveira
11.1.17
UM NÓ-SER
Enquanto
não chega a hora
do
clarão
a
vida é deveras perigosa.
As
mais das vezes viver
é
um difícil e duro nó-ser.
J. Alberto de Oliveira
2.1.17
A POESIA E A MÚSICA
Eu sei que o mundo é
turvo. E o precário define-se pela condição de existir.
Mas também eu sei que a poesia e a música não se compram
nem “se pedem como esmola”, diria J. S. Bach.
A música e os
poemas fluem para ser dados à inteligência mais intuitiva.
É verdade que o mundo me desvia de tudo o que seria
delicadissimamente claro, divino, exacto e musical.
Não obstante, ainda sobra o sol que, depois de uma frente fria de
chuva, transforma a paisagem num corpo de vibrações, de azul e claridade.
J. Alberto de OLiveira
22.12.16
A GRUTA
A gruta profunda
serviu de abrigo ao poeta.
Um lugar ascético.
A gruta fora do mundo
verídica e primordial.
No recanto do escuro
o tema perdura
quase e talvez imaterial.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: Gruta do Convento Franciscano de S.Bernardino de Sena
– Câmara de Lobos - Madeira
17.12.16
UMA PEQUENINA LUZ BRUXULEANTE - Jorge de Sena
Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla… em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla… em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha
Jorge de Sena
Fotografia: Carlos de Oliveira
10.12.16
AQUELA NUVEM DE ANJOS
Às vezes peço ao azul do
mundo
a nuvem mais alta e branca.
A nuvem das coisas
que eu nem sonho.
Das evidências musicais
pensamento e assombros.
A nuvem de tantas lembranças
devaneios e dúvidas.
Aquela nuvem de anjos
versos e musas.
J. Alberto de Oliveira
3.12.16
UM LENÇO DE POEIRA E SOL
Um dia houve um lenço de poeira e sol
que entrou pela janela mais pequena.
Era uma janela virada ao poente.
O lenço veio em contra-mão
e meteu-se pela inocência adentro
J. Alberto de Oliveira
22.11.16
UMA PEÇA DA VIDA
Nunca eu sei onde o coração dorme quando a noite se fecha,
deslizando para dentro de si mesma.
Talvez ele durma, virado para o lado esquerdo, num
palheiro da aldeia mais distante.
Avesso a ruídos e palavras fraudulentas, o coração apura
a sua energia entre o silêncio branco e um rumor vermelho.
Sonha com cenas e profecias bíblicas.
É uma peça da vida ou, por assim dizer, o mais belo
instrumento de cadências espirituais.
O coração lembra um animal de respiração atenta.
J. Alberto de Oliveira
10.11.16
OS MEUS LUGARES NO MUNDO
Os meus lugares
no mundo são muito estranhos. De sítio em sítio porto-me como um nómada.
E de mais a
mais, o imaginário leva-me para toda a parte, sem propósito nem documentos. Às
vezes, lembro-me que estes papéis já perderam a validade ou que são falsos.
Que devo fazer?
Nada.
Os efeitos e as
sombras do fogo enleiam-me na pele das águas.
Eu persisto nas
inspirações furtivas, suspeitas, irreais, incertas.
Recebo-as como
invencíveis. Devo-lhes muito.
São poéticas.
J. Alberto de Oliveira
30.10.16
A POEIRA INFLAMÁVEL
A poeira inflamável
das folhas do outono
induz-me a ficar
mais rente à vida.
O sopro em fogo
do ar em declive
ajusta-se ao júbilo
das folhas do outono.
O amor na língua
vegetal do vento
pede que me cubram
versos e pinhas a arder.
J. Alberto de Oliveira
18.10.16
OS ÚLTIMOS DEGRAUS
Sobe os últimos degraus
e
abre a porta.
Acende
o ângulo
mais
firme da casa.
Recorta
as lembranças
que
deves ao sol.
Suspende
o pensamento
nos
limites da infância.
Celebra
o silêncio
com
as núpcias da nudez.
E
nunca digas nada.
Não
fales das tuas moradas.
J. Alberto de Oliveira
9.10.16
O EXERCÍCIO
Ficar em frente do mar às dezanove horas de um dia de Outubro não se explica.
Como tão pouco se entende o rochedo solitário do Lido, no Funchal, perdido no meio das águas, semelhante às figuras que me seduzem ou metem medo.
O exercício no horizonte do imaginário exige muito papel
e tinta suficiente.
Para escrever, só me falta saber como se ressuscita,
porque a morte é certa e certeira a qualquer momento.
Não sou activo. Se fosse, teria ido para ladrão ou
polícia.
Eu sou contemplativo.
J. Alberto de Oliveira
1.10.16
EUCANÃA FERRAZ - A POESIA
[…] A poesia é um artigo de pouca circulação. (…)
Ela é um bem de produção, digamos, artesanal. Embora circule em meios
industrializados, como livros e jornais, e agora nos ambientes electrónicos.
[…] Todo o poema é um voto de pobreza. E isto nem tem a ver
com algum tipo de elevação espiritual ou salvação da alma.
A capacidade de dizer muito com pouco.
A aspiração do poema é exactamente impor-se na sociedade do
consumo e do luxo como um objecto essencial.
Gosto da poesia que tem a capacidade de tocar no essencial,
no sentido em que nada sobra, em que há uma alta concentração. E eu gosto que
essa concentração seja capaz de tocar emotivamente o leitor. Então, talvez a
segunda qualidade seja a sua capacidade de
emocionar. Le Corbusier tem aquela célebre máxima que diz que a casa é uma máquina de emocionar, machine à emouvoir.
No poema Martelo
eu digo:
o poema é ver
com lanternas
que cor é a cor
do escuro.
Daí, procuro situar-me numa fronteira, sempre a martelar,
martelar, a alegria, o amor, a tristeza, a raiva, o susto.
26.9.16
AUTO-RETRATO EM EXERCÍCIO
Olhos sedentos e pensativos.
Rosto sedentário e corrompido
J. Alberto de Oliveira
15.9.16
O SILÊNCIO E A POEIRA
O silêncio e a
poeira
assentam nos
devaneios
de anjos amantes
de vento e fogo
posto.
Há um rumor de
cores
que ninguém ouve.
Um ror de segredos
no horizonte
J. Alberto de Oiveira
7.9.16
DE LINHO E SETEMBRO
Do vir ao ir do vento e do sol
a
substância de mim mesmo
se transmita em caligrafia
e memória.
Um
lenço de linho e setembro
foi berço do meu nascer.
J. Alberto de Oliveira
29.8.16
IR EM CONTRA-VIDA
A escrita, em seu labor, começa a evidenciar
o perfil geral de mim.
Já estou a ir em contra-vida.
J. Alberto de Oliveira
24.8.16
13.8.16
AS COROAS DA ALMA
Quando eu for embora
comigo levarei só
de meus versos
alguns recortes de pensar.
Coisas que não pesam
nem ocupam lugar.
As coroas da alma
sem o selo do prémio
e sem palmas
ninguém as quer.
J. Alberto de Oliveira
8.8.16
OS SONS DA NATUREZA
Uma vez, os sons da natureza disseram a Deus:
– Nós damos-te o azul do silêncio. Dá-nos Bach.
J. Alberto de Oliveira
29.7.16
SINAIS FURTIVOS
Quando me faltam os versos
penso em vozes amadas.
Ponho-me a contar insectos
e muitos sinais furtivos
que há nas folhas das árvores.
Também conto as pedras
que me luzem no caminho.
J. Alberto de Oliveira
19.7.16
RETRATO
O Pai ou, por assim dizer,
o aprumo da bondade, a elegância do silêncio,
a realeza do olhar, o afecto intuitivo,
o vigor de ser, a postura digna,
o acume da inteligência, o verbo justo e claro.
J. Alberto de Oliveira
12.7.16
A COTOVIA
À tardinha de um dia cheio de lembranças
dei com uma
cotovia presa
num emaranhado de silvas com amoras maduras
em declive
sobre o abismo.
Eu nada podia fazer.
Mas por sorte o ar
num movimento súbito a desatou.
num movimento súbito a desatou.
E a cotovia bateu as asas
para ir livremente dormir não sei onde.
J. Alberto de Oliveira
2.7.16
VIOLONCELO DE GUILHERMINA SUGGIA
De névoa e púrpura salinas
luzem os temas de Guilhermina.
De espuma e linhos musicais
se avolumam seus dias de Matosinhos.
De névoa e púrpura salinas
são os primeiros sons
J. Alberto de Oliveira
Desenho: Amadeo de Souza Cardoso - Guilhermina ao violoncelo e sua irmã Virgínia ao piano
19.6.16
O PONTO DE IMAGINAÇÃO
Se na escrita usamos diversos sinais de pontuação –
o ponto final, a vírgula, o ponto e virgula, o ponto de
interrogação, os dois pontos, o travessão, as reticências, as aspas, o ponto de
exclamação e o parêntesis –
por que é que não há o ponto de imaginação?
Nos textos de Maria Gabriela Llansol aparece muitas vezes o traço contínuo.
Sinal propício à imaginação? Possivelmente que sim.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: página do livro O JOGO DA LIBERDADE DA ALMA - Maria Gabriela Llansol
12.6.16
POR QUE É QUE?
Por que é que a inteligência luz melhor nas entrelinhas?
Por que é que não somos adultos da criança que fomos?
Por que é que o canto das aves não é dissonante?
Por que é que as tuas palavras são parecidas contigo?
Por que é que o amor se decide entre sim e não?
Por que é que há gente a morder o seu próprio veneno?
Por que é que os enigmas têm pontos de interrogação?
J. Alberto de Oliveira
4.6.16
CUIDAR DOS SONHOS
Um toque rente ao
sono
e de pronto eu
acordo
para cuidar dos
sonhos.
Ponho-me logo a
saber
como se usa a
beleza
aprimorada e
selada
pelo mais profundo.
Ponho-me logo a cingir
a respiração
intuitiva
J. Alberto de Oliveira
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