15.12.09

A PORTA DO LIVRO




Há títulos de livros que revelam força, pujança e o poder da contemplação. Atraem o olhar e o pensamento. Inspiram desejos e a criatividade.
Há títulos que nos conduzem pela mão ao interior dos seus próprios livros.
Um título pede para nos ligarmos ao corpo do texto e ler até encontrar aquela frase perdida, a frase profunda e fascinante que tem mais poder que todas as outras.
O título e a frase encontrada não são a obra. Mostram apenas um ponto vital, uma chave iluminante, a sarça ardente do escritor em toda a sua sensibilidade e pensamento.

O acto de ler e reler é propício ao encontro de nós mesmos entrevistos nessa frase perdida no corpo do livro.

J. Alberto de Oliveira


2.12.09

PALAVRAS E ROSAS PRECLARAS




Gosto de palavras e rosas tão insistentes
como verdadeiras e preclaras.

São chamas vivas.

Há palavras que sabem mais de mim
que eu das palavras e da abundância que dizem.

Também há rosas que se entreabrem
e alumiam a fala e o silêncio.

Gosto de palavras e rosas preclaras.

J. Alberto de Oliveira

23.11.09

HELENA, O NOME






No pano cru da vida, o nome de alguém é feito com pontos de luz, sangue, sopro e sílabas.
Um nome não é biodegradável.

Helena, por exemplo, é um nome bonito para sempre.
Aquela que acendeu a guerra de Tróia chamava-se Helena. Todavia, o fulgor e o nome nunca se extinguiram.
Helena, o nome dado a tantas e muitas mulheres, é uma dádiva da fala. Deve ser dito e ouvido.

Vamos falar com a Helena!
Mas, vamos primeiro chamar por ela com a distinta sonoridade helénica.

J. Alberto de Oliveira

8.11.09

UM VENTO DE VIDRO VIVO






Há um vento 
de vidro vivo

a pairar na alma
ávida e vigilante

da beleza de ver.

É um vento 
de frases brancas

que ensinam 
o ofício de tecer

fios de relento.

J. Alberto de Oliveira

NO CRISTAL DA MELANCOLIA






No cristal da melancolia
se traduz o declívio 

da chuva.

Com as suas gotas 
refulgem folhas

o chão duro 
e as verdes ervas.

Em finas linhas de vida
é chuva o que leio.

Uma chuva de beijos
nos vidros da janela.

J. Alberto de Oliveira

22.10.09

DA FALA DESEJANTE





João Viana cobre-se 
de poeira e de alma

quando clama.

Quando infunde
no tecido branco

o sopro 
da fala desejante.

Texto: J. Alberto de Oliveira
Pintura: João Viana

29.9.09

O OFÍCIO DO POETA





O ofício e obrigação dos poetas não é dizerem as cousas como foram, mas pintarem-nas como haviam de ser ou como era bom que fossem. 
Padre António Vieira

Os poetas são a harpa de apenas duas cordas: imaginação e sentimento. 
Rosalia de Castro

As mães, quando acarinham os filhos, dizem-lhes muitas frases e palavras de equivalente significado, até encontrarem uma, aquela em que o maternal afecto se revele por inteiro, na sua máxima pujança e nitidez. Assim acontece no ofício do poeta.
J. Alberto de Oliveira

17.9.09

O CRISTAL DO PENSAMENTO





Uma aragem fina
e franca por mim passa.


Ressoa na alma
com sua voz menina.


Traz-me à lembrança
o sentimento e a mão


da primeira caligrafia.


Rente às palavras
que rasgam e falam


a escrita principia.


Puro e simples resplende
o cristal do pensamento.

J. Alberto de Oliveira

9.9.09

A HORAS INCERTAS



Escolhi o ofício de servir
o invisível
consonante com o mistério.

Uma cantiga de amor ressoa
na corrente
do tempo a horas incertas.

J. Alberto de Oliveira

Photo: Ana Afonso

28.8.09

O ÂMAGO DO VERBO





Amo o âmago 
do verbo

e suas letras vivas


quase eternas
e molhadas de silêncio.

Respiro
devagarosamente.

Amo
porque arde a vida

impensada.

A vida inscrita
na madeira quente.


J. Alberto de Oliveira

20.7.09

AS PRIMEIRAS LETRAS






Comecei a escrever
desenhando

as primeiras letras
das primeiras frases

com mão feminina.

A mão magnificente
que se transmitia

e sustentava a minha.

J. Alberto de Oliveira

11.7.09

RECADO AMANTE







Em meu querer não concedo
que me atem.


E a haver quem me mate

seja com divino engenho
e arte.

J. Alberto de Oliveira



10.7.09

DAR À LUZ




Dar à luz. Nascer.
Foi dado à luz, assim se diz.
Mas eu não fui dado à luz. 
Nasci às três horas da madrugada do dia _________.
Eu fui dado à noite.
A luz, a claridade fulgurante, eu a procuro e vou dando a mim próprio.
É nesta confluência da noite com o dia que o devir me esboça e designa.

J. Alberto de Oliveira

22.6.09

A SÍNTESE DO FOGO




Tangível como folhas
ao vento

o fulgor das mães
é um ponto no infinito.

É um clarão de sangue
e segredos

o alfabeto das mães
na caligrafia dos filhos.

A síntese do fogo
é seu amor aceso na alma.


Poema: J. Alberto de Oliveira
Fotografia: Ana Afonso

10.6.09

EM SETE VERSOS




Um lenço de linho
foi o meu berço.

Um lenço de alma
e sentimentos.

Um lenço de linho
foi em sete versos

o primeiro livro.


J. Alberto de Oliveira

6.6.09

METÁFORA AMANTE




Um dia, o linho para mim foi lido em flor.
Era o linho verbal, metáfora amante, a referência conjugada.
Havia concordância estética.
Difundia-se na vida o azul do linho em flor,
um azul abstracto – lídima cor de silêncio e amor.

J. Alberto de Oliveira

22.5.09

A EMOÇÃO DE BACH


J. S. Bach retratado por Elias Gottlob Haussmann em 1748


Algumas vezes a mulher de Bach surpreendeu o marido a chorar quando ele escrevia música.
A profunda emoção do compositor atingia esse ponto.
Na sua vastíssima obra, porém, a emoção foi sempre outra: esteticamente sublime, frondosa e alta como toda a arquitectura do Universo.
Na música de Bach não há choro, choradinhos e choradeiras.

J. Alberto de Oliveira

9.5.09

OLHOS DE PISCINA




Eram os anos 40 e o poeta brasileiro Manuel Bandeira estava numa "tristeza danada" por causa de uma mulher. Saiu do Praia Bar, no Flamengo, e quando ia "na calçada" encontrou a jornalista e escritora Clarice Lispector, que passeava de braço dado com o seu noivo, Maury.
O poeta fica impressionado com "os olhos da moça". E contou este episódio ao jornalista Rubem Braga que não perdeu tempo e escreveu uma crónica, O poeta e os olhos da moça, que começa assim: "Conversa vai, conversa vem, eu disse um nome de uma mulher. O poeta me confessou que há muitos, muitos anos, tem vontade de fazer um poema sobre uma história que ele teve com essa mulher a que chamaremos Maria. Espanto-me: não sabia que o poeta tinha tido alguma história com a Maria. Ele ri: – Não pensa que eu tive um caso com ela. Foi apenas uma impressão minha, foi uma coisa tão subjectiva mas inesquecível – (...) Quando vou pisando na calçada me encontro com Maria, que vem de braço dado com o noivo. Meus olhos entraram directamente nos seus. Meus olhos, com toda a minha tristeza, toda a minha alma desgraçada, entraram de repente nos seus, mergulharam completamente neles. Ela se deteve um instante – eu só via aqueles olhos verdes – e me recebeu como se fosse uma piscina (...)."
Quando Rubem Braga contou esta história a Clarice Lispector, ela não se conseguiu recordar desse encontro e olhou-o, "admirada, com os seus olhos de piscina".

Isabel Coutinho – Público – 06/04/2009

8.5.09

NUM ÂNGULO BRANCO







O poeta que assim escreve,
também ele viu o pássaro que entrou aflito na sala de
exame de Geometria Descritiva – 18/07/2008 – na ESAG.


Enquanto escolhes
visões novas do belo

há um alvoroço da ave
que entrou à deriva

num ângulo branco.

Na área mais viva
das respostas

que nem tu sabes dar.


J. Alberto de Oliveira

3.5.09

CLARICE LISPECTOR




Clarice Lispector, brasileira de origem ucraniana, deixou um rasto singular na literatura de Língua Portuguesa.

«Amo esta língua», dizia.
«Não é uma língua fácil. É um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve querendo roubar às coisas e pessoas a sua primeira camada superficial. É uma língua que por vezes reage contra um pensa­mento mais complexo. Por vezes o imprevisto de uma frase causa-lhe medo. Mas eu gostava de manejá-la – tal como outrora gostava de montar um cavalo para o levar pelas rédeas, umas vezes lentamente, outras a galope.»

23.4.09

A VENTANIA DO SONHO





                                                   para a Zilda

A aura e o alvoroço
de ler abril.

A aura e a nudez
de ser

a ventania do sonho.

O gume da luz
no coração de abril.


J. Alberto de Oliveira
23/04/2009

14.4.09

ESCREVER




Todos querem escrever e poucos são os que resistem a isso. Escrever muito parece ser derivante de um padecimento de angústia e de debilidade em viver; ou o modo de evitar paixões, ou saciá-las sem as sofrer.

Agustina Bessa-Luís

12.4.09

MULHER E POEMA





Com sete desejos de beber
o azul perfeito do mundo.

Com sete gotas
de puríssimo orvalho.

Com a lídima a pronúncia
das águas mais vivas

o mister do poema começa.

Todas as frases
têm a sua regra e princípio

no ser do mar e da mulher.

J. Alberto de Oliveira

7.3.09

A FACA NÃO CORTA O FOGO





isto que às vezes me confere o sagrado, quero eu
dizer: paixão: tirar,
pôr, mudar uma palavra, ou melhor: ficar certo
com a vírgula no meio da luz,
dividindo,
erguendo-me do embrulho da carne obsessiva:
que eu habite durante uma espécie de eternidade
o clarão —


Herberto Helder – A faca não corta o fogo

Fotografia: J. A. de Oliveira

27.2.09

HERBERTO HELDER



Herberto Helder
ou o poema contínuo,
a obra,
a textura,
a escrita,
a pavorosa delicadeza a progredir.

26.2.09

ALGURES NO LIVRO





Sonho às vezes
com o meu nome

escrito algures no livro.

E leio e leio

entre a lenha e o lume.

Na teia de frases

e linhas

arde a paixão pura.


Alguém pôs a mão
em fogo

dentro do meu nome.


Poema & Fotografia:
J. Alberto de Oliveira

10.2.09

O LÍRICO DIALECTO




O lírico dialecto
da alma.

O sal em sangue
a alastrar no papel.


Fotografia e versos:
J. Alberto de Oliveira

8.2.09

O FULGOR DE FLOR




O fulgor de flor
estrita e branca.

Sensitiva camélia
de neve.

De mim tão alta.


Fotografia e versos:
J. Alberto de Oliveira

7.2.09

LUXUOSA A FERIDA





Da fundura 
tangível da luz

eu não me defendo.

É luxuosa a ferida
em que me apuro.


Fotografia e versos:J. Alberto de Oliveira

21.1.09

OS LIVROS





Os livros são a escada para a casa que ensina a ler e permitem um extraordinário atractivo para o amor, porque transmitem palavras. Nos livros há sempre uma página que te fala. 
Os livros são da substância dos beijos e da boca. Os livros
sentam-se à mesa num estético convívio e, depois, a sua liberdade é tal que, se as folhas se partem, regressam por si sós ao ponto de partida e juntam-se.Quem vê os livros serem pombas somente ligadas por uma fita de voo?

J. Alberto de Oliveira
(com muito ou tudo quase de Maria Gabriela LLansol)

13.1.09

NO CRISTALINO DO DIA





No cristalino do dia
a alvura da neve.

É de luz escrita
o júbilo da terra.


Poema e fotografia:
J. Alberto de Oliveira

10/01/2009

7.1.09

COM A VIDA SE FALA




– Sempre escrevi para uma mãe
– Eu sei. A viver com a vida se fala, Teresa. Só com ela podemos falar. Fala com a tua. Não fales sobre ela. Olha o teu amigo – só lhe resta o desenho de um olhar. Fala com ele. Dá-lhe um corpo
– Isso é ser mãe
– Não, isso é escrever. Meu Deus, vais morrer. Por uma única vez, fala com a tua vida
– A minha vida é ele


Maria Gabriela Llansol ARDENTE TEXTO JOSHUA

3.1.09

NA CALIGRAFIA DO MAR





O dom e a aura elevam
do chão ao pensamento

versos de ouro e água.


Em luz e mistério
se concentra o halo

pensativo do poente.

Na caligrafia do mar
o sol doura letras de sal.


J. Alberto de Oliveira