A imaginação poética e santificante de Francisco de Assis, a partir do momento em que ficou cego, redobrou de louvores para glória das coisas e de seu Criador no tempo e na eternidade. Sem luz na retina dos olhos que a terra lhe havia de comer, cantou a possessão e o resplendor do irmão Sol. Repartiu a aura e o louvor pelo corpo dos elementos da vida. S. Francisco de Assis, o jogral da alegria, intuiu com lídimo fulgor as notas musicais do Universo. Elevou o desejo de todas as criaturas ao júbilo perfeito.
Após vinte e sete anos voltei para ler a carta. Soletrei-a até ao último parágrafo, até ao seu amistoso fecho. E depois, depois recorri à estética do fogo. Tenho confiança nos apontamentos da memória e nos recursos da alma.
Não sou de ascendência nobre. No meu nome não há posses, armas e pergaminhos. Nasci com sangue limpo. Dos meus antepassados herdei o que apenas preservo: a nobreza de alma e de sentimentos. Nasci do lado do silêncio da memória. O único destino ou a fortuna que me assiste, me julga e conjuga e faz distinto, é a sensibilidade. Em mim próprio, a sensibilidade se mistura com a alteza de alma.
Primeiro alumiou a nudez e o aprumo de róseas manhãs. Depois veio difundir a aura do pensamento. Primeiro foi dádiva e leitura preciosa no pulso do tempo. Depois em cada hora um manancial de rosa.
Junte-se à branda luz da lua no mar a chama da candeia de ler o júbilo em linhas perfeitas. Junte-se à plena paz da lua no mar o diamantino apuro de uma só frase: a alma em letra pura.