26.4.14

À MESA DE LEITURA



Quando o menino se sentou à mesa de leitura, com o seu primeiro livro de todos os dias, a mãe cozia uma fornada de pão.
A carqueja e a caruma ardiam no forno. Difundiam o fumo que perfumava as roupas, os cabelos, as mãos,
os olhos e o espaço em volta.
Do ventre quente do forno saíam faúlhas que transmitiam o prazer de ver e de estar ali.
O fumo e as faúlhas subiam com as ideias e o sentimento das palavras que o menino soletrava.
– Filho, lê um bocadinho mais alto para eu ouvir.
As mães são as melhores companheiras de leitura dos filhos.
          
O lume luzia no forno.
A massa levedava em silêncio e aconchego na masseira fechada, sob o efeito do crescente que a vizinha trouxera, na véspera, ao entardecer.
           
O lume ardia sob os efeitos do seu próprio destino.
E a criança lia, soletrando o que aprendia.
           
– Mãe, tu gostas tanto de cozer pão como gostas de ser mãe?
– Se as mulheres não tivessem filhos, não era preciso o trabalho da cozedura do pão. Não havia gente a pedir o pão que se come todos os dias. E se faltasse o pão, até mesmo a nossa boca perdia o sabor.
           
A mãe, a primeira mestra de todas as leituras, tinha sempre uma resposta. Ela sabia de cor bonitos e sábios segredos.
– Filho, vou-te dar um conselho que me ensinou a minha madrinha, quando eu era pequena, e que nunca mais esqueci: “pão, roupa e um vintém, não carrega(m) ninguém.”
– Não percebi nada!
– Um dia vais entender.     
           
Naquela casa, a mãe sustinha o esteio da vida, os rituais do quotidiano, os prazeres da fala e da infância.
Naquela casa térrea, aprendia-se a esperar o pão e as delícias da ternura. Aprendia-se a descobrir frases futuras.

– Filho, lê essa ideia outra vez!
– O quê, mãe?
– As palavras que leste agora no livro. Diz outra vez!
As rosas são as namoradas do sol.
– Que lindo, filho! Nós ainda vamos aprender muitas coisas assim bonitas. Nós havemos de saber mais do que todas as coisas que se ensinam nas escolas todas do mundo.
           
A mãe reconhecia o filho à mesa de leitura.
O menino reconhecia a mãe no acto de cozer o pão, no modo de pensar, nos sentimentos, no olhar e nas palavras que dizia.
Mãe e filho eram duas verdades unidas por um elo único e precioso.
           
O menino que lia devagarosamente, não adivinhava que nas lembranças da mãe se inteirava e repetia o momento do seu próprio nascimento.
Debaixo da pele da infância que a mãe nutria, o filho era a imagem do crescimento contínuo, esperando o pão nosso de cada dia.
O menino soletrava, decifrando pequenas frases maternais invisíveis nas linhas do livro.
           
Um dia, alguém disse mais ou menos isto: dois seres afectuosamente confidentes, unidos pelo prazer de existir, são causa mútua de vida e júbilo.
           
Outro dia, o menino de sua mãe, que nasceu poeta e poeta cresceu, lembrou-se de escrever num caderno de versos:

                                      No miolo do pão
                                      as mães deixam o sal 

                                      o sopro e o coração.


J. Alberto de Oliveira 


in O teu Dia, Mãe 
C ART- 2014