31.12.12

ESCRITOS EM TOM MENOR





Escritos em tom menor
os versos ardem

e não deixam cinza.

Em fogo e flor do sal
se consubstanciam

São meus os versos atentos

ao rumor furtivo
de segredos aproximativos.

J. Alberto de Oliveira

12.12.12

GÉNESIS





Para que ficasse pronto
e perfeito o arco do mundo

uma só vez de uma só vez

o imo de Deus foi sopro
de substância ininterrupta.

Foi de palavra o nó do azul.

J. Alberto de Oliveira


4.12.12

SUCCINCTA VITA





Subir ao ponto sublime

do mais estrito silêncio

todo virado para dentro
do que levo aos ombros

é um destino de vida.

É jura da luz nos olhos
mais que absortos.

Meus olhos pensativos
de nem pensar.

Meus olhos no auge total.

J. Alberto de Oliveira

12.11.12

DUAS PORTAS ENTREABERTAS





O fulgor da bondade e o exercício do belo seduzem a alma.
São duas portas entreabertas. Uma dá acesso aos jardins da santidade. A outra dá para os caminhos da estética do espírito.

Como não sei ser santo, resta-me ir por atalhos e veredas, interrogando a vida e o verbo.
Sou poeta.

J. Alberto de Oliveira


10.11.12

A PLACIDEZ DO OUTONO





Há sítios onde a placidez do outono se consubstancia
com a geometria das colinas solares,
com a devagarosa água corredia,
com o desassossego dos insectos,
com o perfume das folhas e dos frutos maduros.

Há sítios onde a placidez do outono tece um elo
de amplitude natural,
de júbilo generoso, sensível, intensamente puro.

A dessensibilização do mundo acontece noutros espaços,

nas zonas do poder, da perversidade e da corrupção humana.

J. Alberto de Oliveira





6.11.12

EM VIDRO E VERSOS





Em vidro e versos
abro a cancela ao silêncio.

Abro a cancela
onde passa menos gente.

J. Alberto de Oliveira

30.9.12

PALAVRAS E HORAS RESPIRADAS





Brinca o fogo com a água
quando o brilho azul do ar

e as varas vegetais da terra
me rasgam a língua.

Quando me ouves a soletrar
palavras e horas respiradas.

J. Alberto de Oliveira


14.9.12

NO ÂNGULO DA MESA




No ângulo da mesa há poesia e álcool
iluminações e paraísos perdidos.

Há uma espécie de férias de verão
no inferno dos poetas malditos.

Lá estão Rimbaud e Verlaine
com seus versos saturninos.

Fatin-Latour ao retratar o olhar
dos poetas e os seus livros

fixa no tempo zero da pintura
o invisível dos versos e do vinho.

Ao contemplar o rosto dos poetas
a vida entra pela natureza adentro.

A natureza ávida dos que viveram.

J. Alberto de Oliveira




ÁGUA SEM POSSE




Naquela fonte muito antiga, desde 1858 que perdura a pedra onde se escreveu: agoa sem posse.
Magnífico aviso acerca do elemento que é tão munificente como imprescindível.
Das nascentes a água desce livre ao encontro da sede.

Na inscrição se mostra e lembra que a água é para fluir como dádiva, como substância do feminino, viva, pura e corredia.

A pedra, assim escrita, é um sinal de vigilância para os seres viventes e, sobretudo, para os poetas, quando são eles a razão e a fonte do verbo sem posse.


APOSTILA

Quando fotografei a inscrição de 1885, agoa sem nome, ocorreu-me o texto que imediatamente redigi e mostrei a várias pessoas. Um jurista leu e lembrou: “aquelas raras inscrições eram colocadas a indicar a posse pública, porque havia muita água de propriedade privada”.
Sim. É a causa real que eu muito bem conhecia. Mas, fazendo uso do olhar contemplativo, estético e amantivo, escrevi o que escrevi.
Evidenciei a leitura estética, recusando o sentido materialmente jurídico.
Compus o texto que os olhos me pediam.
Sem o dom poético o olhar torna-se estéril, involutivo e rasteiro.


J. Alberto de Oliveira




NARRATIVA A SÉPIA





Com as vogais da infância me sento à mesa.
Tomo o pão molhado no mel e bebo o leite.

Exposto ao lume no ângulo do lar aceso
convoco a fadiga do entardecer

para depois
adormecer na pausa do melhor beijo.

J. Alberto de Oliveira

      

24.8.12

PURO E SIMPLES




O ritmo feliz do azul
a articular os nomes.

O movimento jubiloso
do sol a doer no pulso.

O oiro ao rubro
a entardecer o dia.

A alma e sua leveza
a alumiar o invisível.

J. Alberto de Oliveira





23.7.12

SETEMBRO ADENTRO




A minha vida entrou nua
e crua

por setembro adentro.

A minha vida arrebatada
à respiração do mundo

e ao sopro intuitivo
de Deus.

Na primeira frase
da língua arderam

os lábios e a saliva.

A minha vida a entrar 

por setembro adentro
foi um dom superlativo.

J. Alberto de Oliveira 

12.7.12

A NATUREZA DA ÁGUA




Para beber a natureza da água
ouve primeiro um segredo.

Intui os sentidos da boca ávida
ou sonha perto do silêncio.

No dialecto arcaico da infância
depura as imagens que lês.

E soletra docemente,
soletra muitíssimo devagar

o causa preciosa e amante
da lídima natureza da água.

J. Alberto de Oliveira - ENTREPOEMAS (2014) – poema corrigido








11.7.12

PRELÚDIOS DE LEITURA







1-
Pode o segredo
sair de si mesmo

e pousar nos olhos
enquanto dormes?

2-
Em forma de lenço
aberto ao vento

o sangue me alumbra.

É coração de estrela 
a rubra cor de outubro.

3-
O relâmpago invisível
rasga as telas da vida.

Soletrada em contraluz
a poesia alucina

as águas de leitura.

J. Alberto de Oliveira

12.6.12

TEORIA DO VERBO AMAR




O espaço do verbo amar não tem sombras.
Esplende por inteiro.

Chamo-lhe verbo amar.
E, por ser a evidência da bondade profunda e de suas incidências, quem o sabe conjugar?

Chamo-lhe verbo amar por ser a soma de todos os modos e tempos do tempo.

J. Alberto de Oliveira

11.6.12

AS PRIMEIRAS FRASES






Quando eu era criança, os nomes que dizia, todos ou quase todos, eram incompletos. Somente o volume e as formas das coisas permaneciam inteiras nos meus olhos.

Com os objectos do mundo, na sua complementaridade justa e geométrica, eu compunha as primeiras frases, incautas, frágeis e breves.

Eram frases de fulgor, lúdicas, miríficas e matinais.

J. Alberto de Oliveira

29.5.12

MENINA E MOÇA




Varrido pelo vento e melancolia, o entardecer talvez fosse a pronúncia de um nome perdido.
Talvez fosse o começo da lembrança:
Menina e moça me levaram de casa de meus pais para longes terras; e qual fosse a causa dessa minha levada, era pequena, não na soube.

J. Alberto de Oliveira

15.5.12

A TELA SENSÍVEL






Romper a malha
e não ficar.

Romper o tecido
e passar.

Romper a tela
sensível

e passar
através dela

à palavra viva.

Àquela ideia
que não fala.

Que flui inteira.

J. Alberto de Oliveira

14.5.12

MUITO PERTO DE À NOITE





Muito perto de à noite
três vezes disseste

em cadência gradativa
o lume o lume o lume.

Três vezes estremeceste
deixando cair

entre a cinza e fagulhas

o som verbal do silêncio
tecido com linho puro 

pela tua mão de escrever.

J. Alberto de Oliveira

2.5.12

A LEMBRANÇA MAIS ANTIGA




Ia haver o quê? Um sarau em torno do linho com danças e cantares?
O que ia haver no alpendre agrícola da Casa de Formozem?
Luzia o luar nessa noite de verão? Não sei.
Eu era um menino que tinha apenas dois anos de vida bem medida.
Eu só me lembro que havia o quase escuro a encher o alpendre.
Lembro-me, e parece que ainda estou ver: alguém subiu para um banco.
Com o simples mover da mão, o homem fez com que subitamente
a lâmpada, suspensa num barrote, iluminasse o alpendre.
Eu só me lembro e sei que foi magnífico o instante
da lâmpada que se tornou viva.
Com o toque da luz no limiar do escuro, eu comecei a ser contemplativo.

J. Alberto de Oliveira 

27.4.12

O LADO ESQUERDO




Sempre sonhei para o lado ofegante
para o lado mais rubro das coisas.

Sonho sempre para o lado esquerdo
de quem entra no meu sono

com frases rutilantes e segredos.

J. Alberto de Oliveira



23.4.12

FLOR ILUMINANTE




Ia Lídia pelo jardim adentro
e deu com a ígnea flor

tema de seus pensamentos.

Ia Lídia colher delícias e flores
e veio com uma rosa

flor iluminante de seus amores. 

J. Alberto de Oliveira

2.4.12

PRELÚDIO MÍSTICO




Por uma pequena frase
de júbilo puríssimo

as primícias
do crepúsculo ardem.

O linho do silêncio
é místico e precioso.

O beijo de um segredo
alumbra a flor do sono. 

J. Alberto de Oliveira

26.3.12

VERSOS AVULSOS






São palavras feridas
nas arestas da pedra

as palavras que secam
meus olhos e a língua.

São elas o pulso febril
de versos avulsos.

Meus versos de medir
a vida a prumo

com varas de lápis-lazúli.

J. Alberto de Oliveira

22.3.12

INVERTER A FALA





Trabalho numa oficina da linguagem
com substâncias delicadíssimas.

Lido com palavras superlativas
e sinais de pausa e silêncios.

O meu ofício é inverter a fala
com o lápis da jubilação.

Começo pela argila de mim mesmo
e termino no oiro da alumiação.

J. Alberto de Oliveira

14.3.12

PUNTI LUMINOSI




Por veredas e baldios de outrora 
o sentido era voltar sempre em desatino.

Dizendo de outro modo:

na infância o pensamento 
era um ponto de incêndios.

O cerne e vórtice 
donde subiam faúlhas de ínvias letras.

J. Alberto de Oliveira

12.3.12

EM CHAMA VIVA



Por acção justa do lume
a boca nomeia o rubor
que a tange e perfuma.

É caligrafia do silêncio
em chama viva
a estrita fala de Deus.

J. Alberto de Oliveira

21.2.12

MEDITATIVO E ABSORTO





Naqueles dias, eu bebia a luz que emanava do mais longe na linha do horizonte.
Depois esperava, meditativo e absorto, a hora do crepúsculo.
O momento propício ao sono das aves.

E com as aves descia ao íntimo da noite fechada pelo escuro.

J. Alberto de Oliveira

16.2.12

A CANCELA DO JARDIM




Quando abres a cancela
que dá para o jardim

o que dizes ao pensamento?

Em que ponto da melancolia
estremecem os insectos

e as flores do silêncio?

J. Alberto de Oliveira

30.1.12

DA POEIRA DOS SONHOS



Quando acordas
o que transmites à tela das horas?

O que dizes quando regressas
da poeira dos sonhos

afeitos ao curso da memória?

J. Alberto de Oliveira

2.1.12

OS SONHOS






Os sonhos que nos visitam facilmente são esquecidos.
Mas os próprios sonhos não esquecem nada.

A todo o tempo regressam ao infinitivo do verbo sonhar.

J. Alberto de Oliveira