24.12.22

A MAGNIFICÊNCIA DE


 

A magnificência de

poucas e claríssimas palavras

 

estremeça no lápis de meus versos.

 

Num caderno de ninfas e fadas

o corpo do papel

 

transmita suas evidências amadas.

J. Alberto de Oliveira


11.12.22

OS NOMES AMADOS


 

OS NOMES AMADOS

                                                                             para Amair


No eixo mais firme do poema

os nomes amados

 

são de letras excelsas.

 

No mais intimo segredo

a tua mão é soletrada.

 

Talvez seja pelo excesso

em primor e beleza

 

de seus desenhos vistos  no ar

antes das aves e do vento.

 

No ponto mais alto das palavras

 

com que nome nos havemos

de chamar?

J. Alberto de Oliveira



1.12.22

DÁDIVAS


 

É urgente e precioso dar

tempo ao tempo

 

amor ao amor

pensamento ao pensamento

 

palavra à palavra

ardor ao ardor

 

até ao fulgor do lume final.

J. Alberto de Oliveira


21.11.22

AUTO-RETRATO COM LUAR


 

O luar inunda as noites do mundo.

Se os desleixos de pobre e a miséria de pedinte não me sujam, também o luxo e a arrogância de rico não me emporcalhem.

Tenho o que posso e mereço.

A elegância do corpo e do espírito inspira, conduz-me e pacifica. O importante é haver espaço e luar. E sobretudo, saber lidar com os engenhos da existência.

J. Alberto de Oliveira


8.11.22

QUANDO O AMOR


 

A inspiração vem do orvalho

dado pelo grande silêncio

 

quando o amor te adivinha.

 

Há um silêncio que se move

entre os efeitos do destino

 

e os insectos luminosos

que dialogam no escuro.

 

Quando o amor te imagina

 

até o próprio sono se mistura

com o fogo e suas memórias.

J. Alberto de Oliveira


3.11.22

NA ÚLTIMA DOBRA


 

Na última dobra do linho

o acto de quem nos leva

 

apaga as coisas visíveis

e tira-nos o tubo do oxigénio.

 

Na última dobra do linho

morre-se deste modo:

 

simplesmente com falta

de ar e de poesia.

J. Alberto de Oliveira


23.10.22

A HORAS E FORA DE HORAS


 

A horas e fora de horas

eu te sublimo ó regra de existir

 

com segredos e o perfumado

linho da nudez.

 

O sangue e o sal rodam

ainda em ferida.

 

As aves que partem

tersas e velozes

 

são versos

de lenços mais que sonhados.

J. Alberto de Oliveira


13.10.22

VIRADO DO AVESSO


 

Quando as ideias de Deus

me tocam

fico logo virado do avesso.

 

Igual a uma folha nua

e seca

exposta ao vento e à chuva.

 

Quando os sentidos da vida

apuram sopro a sopro

a poesia e seu fascínio

 

com a realeza do amor

cumpre-se o que imagino.

J. Alberto de Oliveira


23.9.22

O MAR DE NAUSÍCAA


 

De onda em onda

a luminescência mede-me

 

as horas

e os movimentos do mar.

 

Ela conta-me histórias

dos que navegam.

 

Dos que não voltam atrás

e se perdem

 

só para falar com Nausícaa.

J. A. de Oliveira


14.9.22

DUAS ÁGUAS



A mulher e o mar

nos areais do infinito.


Duas águas de prece

e de luz contemplativa.

 

A mulher e o mar

desafiando os céus.

 

A mulher e o mar

apurando os mistérios.

 J. Alberto de Oliveira

Azulejo - Fernando Gonçalves ("Nando") - Póvoa de Varzim



 



11.9.22

SAFO - MAÇÃ VERMELHA


 

No ramo alto, alta no ramo

mais alto, uma maçã

vermelha

ali ficou esquecida. Esquecida?

Não, em vão tentaram colhê-la.

 Safo - Ilha de Lesbos - século VII a. C.

Versão: Eugénio de Andrade


3.9.22

A CONSTRUÇÃO DO TEXTO


 

A construção do texto começa

onde os amantes sonham.

 

Onde cada palavra 

sensitiva espera.


Onde a gramática da fala

é de ouro arrebatado ao fogo.

J. Alberto de Oliveira


13.8.22

A LUZ DE ’SCREVER


 

Algumas palavras resumem o júbilo

de ver o invisível.

 

Recuso-me a existir só para ’star.

 

O que não entendo

espero.

 

Desejo que a vida cumpra 

a razão estética da mão a ’screver


Talvez o azul do linho em flor seja a cor

mais próxima das águas e do quotidiano das janelas.


O azul da tinta anda sempre comigo.

 

À hora do crepúsculo deixo que a porta entreaberta

mostre a luz de ’screver.

 

O primor de acender o fogo começa

pela substância de uma confidência.

                                  

Alumia o poema completo.

J. Alberto de Oliveira

7.8.22

À HORA DO LUSCO-FUSCO


 

À hora do lusco-fusco

as aves mais pequenas

 

esvoaçam

de ramo em ramo.

 

Iminentemente

esperam por mim.

 

Esperam que a noite e a lua

entrem em nossas vidas.

J. Alberto de Oliveira


28.7.22

DAI-ME UM LÁPIS


 

Dai-me um lápis.

Quero desenhar letras e matéria quente.

Quero a invisível substância 

e tudo com nomes antigos

num vidro quebrado por mim e pelo vento.

Eu sei de coisas essenciais aos sítios da infância.


J. Alberto de Oliveira


16.7.22

SE VÓS AMANTES



 Se vós amantes quereis do lume

as melhores recompensas

 

acendei pinhas à mistura

com uma ou duas mãos cheias

 

de preciosos grãos de incenso.

J. Alberto de Oliveira


8.7.22

NINFAS E LUSÍADAS




 

No concerto para flauta e harpa de Mozart, K. 299, ouve-se a correria dos navegantes lusitanos atrás das ninfas que lhes fogem com lascivos gritinhos ardentes. O som da harpa sublinha o delicado movimento das ninfas. 

É magnífico o diálogo entre a harpa e a flauta.

Nos ares a voz e os passos dos marinheiros descobridores evidencia a sonoridade da flauta. 

Naquela ilha distante e divinal, os mareantes e as ninfas enamoram-se. O espaço vegetal da ínsula é de música e de amores diversos.

J. Alberto de Oliveira


27.6.22

EU VI UM ANJO


 

Eu vi um anjo molhar os pés

no relento da manhã.

 

E de súbito adormeceu

entre as flores e as ervas.

 

Não teve repouso toda a noite.

Não havia dormido mesmo nada.

J. Alberto de Oliveira




15.6.22

JURAS DO TEMPO




 

Guardo furtivos segredos

dentro das minhas lembranças.

Alguns são lendas do mar.

Outros, amores da infância.

 

Das horas todas eu fujo

com minha vida nos braços.

Dos muros e gente absurda

Fujo com desembaraço.

 

A malícia fria do tempo

mói às claras e no escuro.

Mói-nos a carne e os ossos.

Juras do tempo não curam.

 J. Alberto de Oliveira

9.6.22

CELEBRANDO CAMÕES


 

De carne e sonhos

camoniano é o amor.


Cativo de seu querer ardente

 só lhe falta que “a todos avivente”.

J. Alberto de Oliveira


30.5.22

CITANDO SÁ DE MIRANDA


 

Quando o sol é grande


o ar cálido nos olhos

 mostra como ardem


os insectos e as flores.

 

Quando o sol é grande

caem co’a calma as aves

 

em seus mimos e amores.

J. Alberto de Oliveira


19.5.22

LENDO FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO


 

Amor é água antes do fogo.

Ou para mais dizer:

é dor o amor enquanto espera.

 

São apenas dois versos que li

lendo a Fiama.

 

E foi quando escrevi:

 

sei de uma fonte

que muito luzia.

 

Luzia mais que o ar.

 

Eu bebia o fogo

no seu primor

 

e na ideia da água.

J. Alberto de Oliveira


13.5.22

A TORRE DA MINHA ALDEIA




 

Não sei quem me espera.

Não sei quem se esconde

 

por dentro do meu nome.

 

Não sei quem fez do sol

a torre da minha aldeia.

 

Não sei e não sei e não sei

nem quero saber.

 

Só peço

para não me perder cego.

J. Alberto de Oliveira


3.5.22

O SONHO QUE TIVE


 

Nunca transcrevo os sonhos que me visitam durante o sono. Deixo que eles se diluam no olvido. Mas o sonho, o que tive a última noite, aqui fica.

Sonhei que detive no ar uma ave muito, muito pequenina. Esvoaçava à minha volta. Era belíssima e de cor amarela. Tinha os olhos muito inquietos e meigos. Queria voar. Mas eu só imaginava uma gaiola e comida para lhe dar. Eu queria que ficasse comigo todos os dias para todos os dias a ver.

J. Alberto de Oliveira


22.4.22

AS GOTAS PRIMORDIAIS




 

Nos vidros da minha janela

virada a sul

as gotas primordiais são da chuva.

 

Não pesam mais que o ar

da sua própria luz.

 

Escorrem como se fossem lágrimas

a cair nos lenços da alma.

 

Escorrem porque é de vidro e névoa

o dom precioso da minha janela.

J. Alberto de Oliveira


11.4.22

O REDIVIVO EM TRÊS DEGRAUS


1 - ENREDO

 

Madalena foi ao sepulcro muito cedo. Ainda era escura a madrugada.

Madalena olhou para dentro do rochedo e viu que estava limpo e vazio. Ainda bem, porque assim ela passa de uma cisma a outra.

Madalena esquece num relâmpago a palidez do corpo deixado no abismo da morte e principia a intuir um corpo redivivo, iluminante.

Em alvoroço ela correu para o mundo. Foi contar tudo.

Madalena correu ao ritmo da memória tocada por palavras novas.

Pelo caminho, Madalena aprendeu a conjugar o verbo ressuscitar com ressonâncias vivas, rutilantes.

 

 

2 - QUASI-POEMA

 

A ressuscitação foi um sublime flash divino.

Um instante de vigor na presença de anjos.

 

E depois, só depois, foi dito aos humanos: “ressuscitou!”

 

O redivivo mostrou-se e falou a quem procurava o seu corpo,

seu corpo de súbito renascido para o alvoroço do encontro.

 

O redivivo falou primeiro à mulher que saiu de casa

pelo silêncio da madrugada ainda escura.

 

Superando a distância, as encruzilhadas e as horas tardias,

a mulher antecipou-se aos ruídos do mundo.

 

Venceu a negrura, a morte e o vazio.

 

 

3 - POEMA

 

Para dentro da pedra

escorre em ferida

o silêncio da pergunta

 

onde o puseram

o corpo que tanto procuro?

 

Para dentro da pedra

se debruça

o pensamento da mulher

 

apurando os sentidos do amor

com perfumes de lume novo.

 J. Alberto de Oliveira


 

5.4.22

A DOURADA MANSIDÃO


 

Depois de lidas uma a uma

todas as letras do dia

 

só me fica a dourada mansidão.


Aquela pausa do alvoroço

que adivinho nos olhos

 

e no espírito adormecido

das criaturas soleníssimas

 

logo após o pôr do sol.

J, Alberto de Oliveira


27.3.22

O DICIONÁRIO DO AMOR


 

Luís de Camões desejava e sentia tudo o que seus olhos viam:

o rosto e o corpo da amada, uma bonina, as ondas do mar.

Escrevia as suas cartas, estâncias, versos e rimas como quem respira.

Com arte e génio Luís de Camões fixou na língua portuguesa

as palavras

que não podem ser esquecidas.

 

É urgente ler o Poeta para que nunca se perca a cadência,

as sonoridades e a alma da melancolia camoniana.

Luís de Camões no seu impulso irónico, brigão e amoroso,

imaginava o dicionário que nos falta:

o dicionário do amor.

Um dicionário onde a fala é ditosa e preciosa. Onde o sensível, épica e liricamente, se mostra e manifesta.

J. Alberto de Oliveira

12.3.22

NO FIM DA TRAVESSIA




 

Antes de fechar os olhos

lavem-me as feridas

 

ainda com sangue à mostra.

 

No fim da travessia

não escrevam editais

 

com piedosos propósitos.

 

Limpem-me de tudo

com sete versos

 

de água corredia e nua.

J. Alberto de Oliveira