13.8.15

TISANAS - ANA HATHERLY (1929-2015)



Tisana 28

Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra. Um dia encontraram-se num caminho muito estreito e como não gostavam uma da outra devoraram-se mutuamente. Quando cada uma devorou a outra não ficou nada. Esta história tradicional demonstra que se deve amar o próximo ou então ter muito cuidado com o que se come.

Ana Hatherly - 351 Tisanas





Tisana 88

Era uma vez uma habitação em que todas as paredes eram portas. Os visitantes vinham de longe para percorrê-la porque, dizia-se, quem entrasse nela podia ver finalmente o prodígio rápido, não o prodígio lento de todos os dias de que só nos apercebemos no momento da morte. Os visitantes eram levados cegamente de porta em porta através da maior escuridão. Terminada a visita alguns concluíam só o desnecessário dura excessivamente. Mas um dia um visitante exclamou como tudo é parecido. 

Ana Hatherly – 351 Tisanas

11.8.15

LIBERDADE MEDITATIVA




Pratico sentimentos apuradamente urdidos como se fossem rendas para uma blusa. 
Por assim dizer, insisto no exercício das filigranas que sustentam o luxo, o primor do poema e o azul.



A minha escrita não é argumentativa, mas intuitiva. 
Não tenho nada a demonstrar: só adivinho.
Por ora, escrevo-me com alma e liberdade meditativa.



Há gente que me pede páginas inteiras de palavras, de frases, de fardos textuais. Gostam de parágrafos e mais parágrafos. Assim como os burros que prezam a manjedoura cheia de palha. Não sou capaz disso.
O que tenho para dizer é sempre tão pouco, tão curto, tão raro, tão livre!
Não sei copiar para os cadernos o que oiço e vejo ao meu redor. Não sou narrativo. As vezes, entretenho-me a tecer a vida com exercícios académicos. Mas nunca sai lisa a tela.
Não sei preencher, com opulentas palavras e fios de ideias, as minhas parcelas de papel.
Não sei escrever a jeito, não sei dizer coisas.

J. Alberto de Oliveira