Por
mais que o vento
sopre
lá fora
o
leite e o mel resplendem
nos
ângulos da cozinha.
O
leite e o mel escorrem
à
luz da candeia.
Na
sua recompensa
não
há sombras nem medo
O pavio dá luz inteira.
J. Alberto de Oliveira
Por
mais que o vento
sopre
lá fora
o
leite e o mel resplendem
nos
ângulos da cozinha.
O
leite e o mel escorrem
à
luz da candeia.
Na
sua recompensa
não
há sombras nem medo
O pavio dá luz inteira.
J. Alberto de Oliveira
Neste palheiro imenso
de pronúncias diversas
o poeta procura a difícil
agulha perdida.
Procura o verso
rigorosamente certo.
O som das palavras
exactas na sua medida.
J. Alberto de Oliveira
Fotografia: José Miguel Reis
Por
quem devo saber
o
modo como a rosa
é o tempo de si mesma
entre o sol e a vida?
A
quem devo dizer
que
a mística rosa
por amor do seu nome
ostenta a glória de ser?
J. Alberto de Oliveira
O visível e o invisível fluíam no seu olhar contemplativo.
Entre leves sombras de névoa e luz, entre sons de linhas de água e a pronúncia de algumas frases, parecia-lhe ouvir musicalmente os segredos que há muito, muitíssimo tempo não ouvia assim.
Veio o Poeta. E, com a mão direita pousada no ombro da mulher, perguntou:
- Como te chamas?
A mulher-doçura do vento respondeu:
- O meu nome anda perdido no livro das tuas palavras.
J. Alberto de Oliveira
Demoradamente o olhar se alicerça nas estrelas
e no seu firmamento.
Tudo lá no alto me parece firme ou eterno.
É um espaço onde o tempo talvez não exista.
O espaço onde parece que nada apodrece.
J. Alberto de Oliveira
Quando eu não posso
brincar
com a alma
as horas ficam entrevadas.
De bruços
caio no lamaçal do luto.
Faltam-me as
palavras
e a substância da música.
Quando eu não posso
brincar
com a alma
falta-me a luz da gramática.
J. Alberto de Oliveira
O
sol nas alturas
e
o mel nos rochedos.
A
história da água
no
linho da mesa.
O
azul da fala nua
nos
frutos da palavra.
Íntimo
rejubila o ar
nos
átrios do lume.
J. Alberto de Oliveira
O
mar que lês no poema
tem
a mesma sonoridade
que
o mar dos navegantes.
Um
e outro ondulam.
Precisam
da eternidade.
J. Alberto de Oliveira
Adeus,
fonte de lembranças,
Onde
a água remanseia.
Onde
fiz tantas promessas
Que
só me deram enleios.
O
afecto que me tens
Assenta
bem nos teus olhos.
A
tua boca é sagrada:
Parece
um botão de rosa.
J. Alberto de Oliveira
Mil e uma folhas do tempo
inflamam o pulso
e os idiomas do silêncio.
Mil e uma folhas de oiro
e de cristalino vagar
apuram o aprumo do outono.
Com jubilosa luminescência
e a paz do vento à mistura
mil e uma folhas
entram pelas varandas
de Vermodium adentro.
J. Alberto de Oliveira
Até
ao gume da última hora
os
dias afiam a cor
e a
matéria do outono.
A
vida é tudo ou nada
quando
toda ela se encosta
ao
fio quente da navalha.
É
sopro de fuga e dor
antes
de ser tábua rasa.
J. Alberto de Oliveira
António
Nobre está só
e
dado ao desassossego.
Tem
os olhos
encostados
ao poente.
Há
demasias de melancolia
a
sangrar nele.
O
poeta vai morrer só.
J. Alberto de Oliveira
O
fermento leveda primeiro
o
coração e a flor da farinha.
Depois
o calor
e
o timbre do ar no forno
são
da carqueja acesa.
Por
fim a resposta
é só do pão.
Do
pão sobre a mesa.
J. Alberto de Oliveira
Fotografia: José Miguel Reis | DESIGN
www.josemiguelreis.com
Ando ainda
longe de mim
e de quanto
me falta escrever
com os olhos
no tecto da vida.
À memória
quero dar a beber
a luz
sedenta de Setembro.
Seus frutos
maduros são todos
para
incender
a sarça
ardente do outono.
J. Alberto de Oliveira
Era
uma vez um poeta que escrevia como ele próprio foi ao princípio.
Gostava das palavras certas e das rimas
bem timbradas, porque as sentia muito próximas das cantigas nos bailes da
aldeia.
Muitas vezes dizia à sua amada estes
versos em forma de quadra simples:
Eu
tenho cinco balões
Nos
cinco dedos da mão.
São
do vento e da vida.
São
jóias do coração.
Um dia a companheira desafiou o amado:
– Para que os balões não baloicem apenas
nos teus dedos, queres que os solte? Vamos deixá-los subir?
– Agora não. Espera pelo fim de mim.
J. Alberto de Oliveira
Da nudez de Deus
entre poemas nasci.
Por sete gotas vivas
um sítio a vida me deu.
J. Alberto de Oliveira
O tempo corrói. Insiste no precário. Quebra-nos aos
bocados. Também colabora com os agentes do caos.
Se os viventes impacientes não matassem o tempo com o fogo criativo, com alegrias e delícias – o olvido e a humidade fria da morte seriam um sinal invisível de nós.
Com alguns versos e palavras eu vou afastando o clima
oxidante das idades.
Há sons e traços, ideias e formas, espaços e silêncio,
cores e afectos, que nos marcam e pronunciam até ao último dos dias.
J. Alberto de Oliveira
Oh! Dinamene.
De onda em onda
no mar a voz
é do poeta.
De onda em onda
oh! Dinamene.
Mística rosa
de amor e versos.
J. Alberto de Oliveira
Quando
os frutos amadurecem
quietos
nos
socalcos das colinas
a luz é solar e benigna.
A
natureza faz-se nos frutos
do
mesmo modo que
o
amor se faz rente à fala da lua.
J. Alberto de Oliveira
Perdi a
lucidez e deixei o sono entrar.
Vi a água em forma
de chuva a deslizar pelo teu corpo todo.
Nos movimentos
não havia pressa nem temor.
A tua boca
tinha a moldura e o tamanho de um segredo.
O lugar da
casa parecia minúsculo e propício ao não sei quê.
Com a leveza
de folha no ar deitaste água num copo.
À minha beira
te sentaste enquanto durou a confidência.
Depois foste dar
de beber a uma estrela inacessível.
Fiquei mudo e
só
para saber se
eras uma causa ou efeito da memória.
J. Alberto de Oliveira
Não sei desenhar rostos nem objectos,
apesar de a minha professora das coisas
primeiras
nos ensinar a fazer cópias de uma bilha
bojuda,
com formas e beleza da ternura.
Hoje, eu daria tudo para ver os meus primeiros
exercícios de desenho.
Que me fizeram às cópias da bilha de barro?
Onde anda a bilha bojuda?
E o lápis?
Perdeu-se pelos caminhos da escola?
Eu daria tudo para ter aquela bilha de barro e
dela beber água pura.
Eu amo a bilha.
Amo-a tanto, que até sei que o amor se faz do
mesmo barro da bilha
que eu desenhava na minha escola antiga.
J. Alberto de Oliveira
Noite
úmbrica.
Noite
úmbrica com a prata do sino e da folha da oliveira.
Noite
úmbrica com a pedra que para aqui trouxeste.
Noite
úmbrica com a pedra.
Mudo o que entrou na vida, mudo.
Esvazia e enche os jarros.
Jarro
de terra.
Jarro
de terra que traz no barro a mão do oleiro.
Jarro
de terra que a mão de uma sombra para sempre fechou.
Jarro
de terra com o selo da sombra.
Pedra para onde quer que olhes,
pedra.
Deixa entrar o burrico.
Animal
a trote.
Animal
a trote na neve espalhada pela mais nua mão.
Animal
a trote adiante da palavra que se fechou.
Animal
a trote que vem comer o sono à mão.
Brilho que não consola, brilho.
Os mortos, Francisco, ainda pedem esmola.
Paul Celan
Tradução: Y. K. Centeno e João Barrento
Se
puderes ó minha vida
traduz
a matéria da luz.
E diz-me
em tom maior
um
sinónimo de música.
Se
puderes estremece
para
mim
no acmè de uma história.
J. Alberto de Oliveira
A meio da frase
vimos a lua
subir.
Era já de noite.
A meio do
caminho
de vigília ao silêncio
luzia o luar.
No fim da travessia
a lua voltou
atrás.
J. Alberto de Oliveira
São
teus os poemas
que se apropriam
da memória.
Com
eles decifras a distância
e
os tempos do verbo
escrito
num bilhete.
O
que te salva ó António
lê-se nuns versos de água
onde
não há gaivotas mortas.
J. Alberto de Oliveira
Imagem:Bilhete de António Nobre após a ida à Quinta da Conceição, Leça Palmeira, com o inglesa Charlotte.
Quando
era criança, os nomes que dizia, todos ou quase todos,
eram
incompletos.
Somente
as formas e a grandeza das coisas permaneciam inteiras
nos
meus olhos.
Com
os objectos do mundo, na sua complementaridade justa e geométrica,
eu
compunha as primeiras frases, incautas, frágeis e breves.
Eram
linhas de fulgor, lúdicas, miríficas e matinais.
As
letras nasciam no momento em que os olhos de ser
e
a mão de escrever
tocavam
e subiam aos sentidos do silêncio.
Pedra
a pedra ainda saberei construir a idade que me resta?
Quem
me ajuda a erguer ou a restaurar casas invisíveis
em
lugares inacessíveis?
São
casas ou abrigos para as folhas do pensamento,
para
as alumiações
e
para os segredos que um dia não poderei levar comigo.
J. Alberto de Oliveira
Juntem-se as rosas ao vento
até que o vento e as rosas
sejam uma carta de lembranças.
Uma carta de beijos e oferendas
para os nomes
que me selaram o sangue.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: Joan Miró
Quando o sol encoberto vai mostrando
Ao mundo a luz quieta e duvidosa,
Ao longo de uma praia deleitosa
Vou na minha inimiga imaginando.
Aqui a vi, os cabelos concertando;
Ali, coa mão na face tão formosa;
Aqui falando alegre, ali cuidosa;
Agora estando queda, agora andando.
Aqui esteve sentada, ali me viu,
Erguendo os olhos tão isentos;
Comovida aqui um pouco, ali segura;
Aqui se entristeceu, ali se riu.
E, enfim, nestes cansados pensamentos
Passo esta vida vã, que sempre dura.
Luís de Camões
Na clareira do jardim
há uma pedra essencial.
A pedra que sustenta
o dia em que nasci.
Na clareira do jardim
há uma pedra atenta.
A pedra dos ventos
que falam por mim.
J. Alberto de Oliveira