4.11.11

NÓMADA ESTRANHO



Desta vez a lembrança veio ter comigo sem relevos,
sem verbo, sem rodeios.
Irrompeu de lado nenhum, dizendo-me apenas:
“Ó nómada estranho, em terra alheia!”

J. Alberto de Oliveira

DOIS VERSOS DE F. ECHEVARRÍA




Fernando Echevarria, com dois versos apenas, confirma a infinitude:

[…] Mas irmos devagar alarga-nos. Prediz
o nome que teremos ao ver que tudo é grande.

Parafraseando o poeta, por minha conta e risco, pergunto:

E que nome seremos ao ver que tudo é grande?

J. Alberto de Oliveira

2.11.11

O JOGRAL DA ALEGRIA




A imaginação poética e santificante de Francisco de Assis, a partir do momento em que ficou cego, redobrou de louvores para glória das coisas e de seu Criador no tempo e na eternidade.
Sem luz na retina dos olhos que a terra lhe havia de comer, cantou a possessão e o resplendor do irmão Sol.
Repartiu a aura e o louvor pelo corpo dos elementos da vida.
S. Francisco de Assis, o jogral da alegria, intuiu com lídimo fulgor as notas musicais do Universo.
Elevou o desejo de todas as criaturas ao júbilo perfeito.

J. Alberto de Oliveira

24.10.11

AS MINHAS TRÊS VIDAS



As minhas três vidas:

a vida anterior a mim
a vida corrente
e a restante vida.

J. Alberto de Oliveira

30.7.11

O ANJO INEFÁVEL




O anjo inefável
é um ser do céu errante.

Uma sombra de chama
verbal e branca

é o meu anjo da palavra.

J. Alberto de Oliveira
Desenho: José Rodrigues

12.7.11

A ESTÉTICA DO FOGO




Após vinte e sete anos voltei para ler a carta.
Soletrei-a até ao último parágrafo, até ao seu amistoso fecho.
E depois, depois recorri à estética do fogo.
Tenho confiança nos apontamentos da memória e nos recursos da alma.

J. Alberto de Oliveira

ABUNDÂNCIA VIVA






Água infindável
e corredia.

Abundância viva
e primordial.

Matéria escrita
no sentido das linhas

ou dos versos
que a esperam.

Água pronunciada
no dialecto da terra.

Matriz atenta à vida
e à paixão inspirada

que há dentro dela.

J. Alberto de Oliveira



14.6.11

SANGUE LIMPO




Não sou de ascendência nobre.
No meu nome não há posses, armas e pergaminhos.
Nasci com sangue limpo.
Dos meus antepassados herdei o que apenas preservo: a nobreza de alma e de sentimentos.
Nasci do lado do silêncio da memória.
O único destino ou a fortuna que me assiste, me julga e conjuga e faz distinto, é a sensibilidade.
Em mim próprio, a sensibilidade se mistura com a alteza de alma.

J. Alberto de Oliveira

4.6.11

SEGUIR COM O OLHAR





Seguir com o olhar
as coisas sem alcance.

E depois
depois adormecer

na escrita de haver
sono e lembranças.

A invisível sintaxe
de versos brancos.


J. Alberto de Oliveira





27.5.11

MANANCIAL DE ROSA





Primeiro alumiou
a nudez e o aprumo

de róseas manhãs.

Depois veio difundir
a aura do pensamento.

Primeiro foi dádiva
e leitura preciosa

no pulso do tempo.

Depois em cada hora
um manancial de rosa.

J. Alberto de Oliveira

26.5.11

CALIGRAFIA ESTRITA





Se adormeço de olhos
postos no tecto da noite

uma caligrafia estrita
desloca-me o coração.

Troca o sítio da mão.

J. Alberto de Oliveira

27.4.11

PLENITUDE NOCTURNA






Junte-se à branda luz
da lua no mar

a chama da candeia
de ler o júbilo

em linhas perfeitas.

Junte-se à plena paz
da lua no mar

o diamantino apuro
de uma só frase:

a alma em letra pura.

J. Alberto de Oliveira







8.4.11

AO RELENTO





Luzindo ao relento
assim os olhos e o sono.

Assim a língua e o amor
a entoar no pensamento.

J. Alberto de Oliveira

O PENSAMENTO EM SANGUE






Quando ela acendia o lume
a sua mão tremia.

Um feixe de vento negro
e canhestro

abria-lhe na alma
o pensamento em sangue.

Era a lembrança a provir
do gume ávido e rude.

Cortes vivos nela doíam.

J. Aberto de Oliveira

7.4.11

NO HAUSTO DAS FONTES





Amar o silêncio
no hausto das fontes.

Arrebatar ao luar
a furtiva cadência

de frases
cheias de relento.

Transpor o sentido
literal do sono

soletrando os nomes
da água e do fogo.

J. Alberto de Oliveira

19.3.11

FLUIR EM FLOR





Tangíveis eram os versos
que o vento nos trazia.


No sopro matinal 
de abril


ouvíamos as cores
e a alegria do orvalho


a fluir em flor.

J. Alberto de Oliveira

19.2.11

O LABOR DO LUME





Na simetria da casa
estudo o labor do lume.

Demando o instante
verbalmente alumiado.

A hora é entretecida
pelo vivo batimento

de faúlhas e segredos.

J. Alberto de Oliveira

1.2.11

A PALAVRA CERTA






Aos trezentos e sessenta
e cinco dias de claridade

a palavra certa ensina

a desatar os nós
e o peso das horas.

Entre amar e vir a amar

ela induz a mão
cega e amante

a bater à tua porta.

J. Alberto de Oliveira

26.1.11

MARFOLHO




(...) estou hoje intrigada por uma palavra: marfolho.
Encontrei-a no tesouro vegetal da língua.

Maria Gabriela Llansol - Causa Amante

20.1.11

UM VENTO DE TREVAS






Um vento de trevas
alastra nos olhos

com seus fios de frio.

Um vento de trevas
dói tanto tanto

que faz do fogo sentido
a mão certa.

A mão de coisas maternas.

J. Alberto de Oliveira