A construção do texto começa
onde os amantes sonham.
Onde cada palavra
sensitiva espera.
Onde a gramática da fala
é de ouro arrebatado ao fogo.
J. Alberto de Oliveira
A construção do texto começa
onde os amantes sonham.
Onde cada palavra
sensitiva espera.
Onde a gramática da fala
é de ouro arrebatado ao fogo.
J. Alberto de Oliveira
Algumas palavras resumem o júbilo
de ver o invisível.
Recuso-me a existir só para ’star.
O que não entendo
espero.
Desejo que a vida cumpra
a razão estética da mão a ’screver
Talvez o azul do linho em flor seja a cor
mais próxima das águas e do quotidiano das janelas.
O azul da tinta anda sempre comigo.
À hora do crepúsculo deixo que a porta entreaberta
mostre a luz de ’screver.
O primor de acender o fogo começa
pela substância de uma confidência.
Alumia o poema completo.
J. Alberto de Oliveira
À
hora do lusco-fusco
as
aves mais pequenas
esvoaçam
de
ramo em ramo.
Iminentemente
esperam
por mim.
Esperam
que a noite e a lua
entrem
em nossas vidas.
J. Alberto de Oliveira
Dai-me um lápis.
Quero desenhar letras e matéria quente.
Quero a invisível substância
e tudo com
nomes antigos
num vidro quebrado por mim e pelo vento.
Eu sei de coisas essenciais aos sítios da
infância.
J. Alberto de Oliveira
Se vós amantes quereis do lume
as melhores recompensas
acendei pinhas à mistura
com uma ou duas mãos cheias
de preciosos grãos de incenso.
J. Alberto de Oliveira
No concerto para flauta e harpa de Mozart, K. 299, ouve-se a correria dos navegantes lusitanos atrás das ninfas que lhes fogem com lascivos gritinhos ardentes. O som da harpa sublinha o delicado movimento das ninfas.
É magnífico
o diálogo entre a harpa e a flauta.
Nos ares a voz e os passos dos marinheiros descobridores evidencia a sonoridade da flauta.
Naquela ilha distante e divinal, os mareantes e as ninfas enamoram-se. O espaço vegetal da ínsula é de música e de amores diversos.
J. Alberto de Oliveira
Eu vi um anjo molhar os pés
no relento da manhã.
E de súbito adormeceu
entre as flores e as ervas.
Não teve repouso toda a noite.
Não havia dormido mesmo nada.
J. Alberto de Oliveira
Guardo furtivos segredos
dentro das minhas lembranças.
Alguns são lendas do mar.
Outros, amores da infância.
Das horas todas eu fujo
com minha vida nos braços.
Dos muros e gente absurda
Fujo com desembaraço.
A malícia fria do tempo
mói às claras e no escuro.
Mói-nos a carne e os ossos.
Juras do tempo não curam.
De carne e sonhos
camoniano é o amor.
Cativo de seu querer ardente
só lhe falta que “a todos avivente”.
J. Alberto de Oliveira
Quando o sol é grande
o ar cálido
nos olhos
os insectos
e as flores.
Quando o sol é grande
caem co’a calma as aves
em seus
mimos e amores.
J. Alberto de Oliveira
Amor é água antes do fogo.
Ou
para mais dizer:
é dor o amor enquanto espera.
São
apenas dois versos que li
lendo
a Fiama.
E foi quando escrevi:
sei
de uma fonte
que
muito luzia.
Luzia
mais que o ar.
Eu
bebia o fogo
no
seu primor
e na
ideia da água.
J. Alberto de Oliveira
Não
sei quem me espera.
Não
sei quem se esconde
por dentro do meu nome.
Não
sei quem fez do sol
a
torre da minha aldeia.
Não
sei e não sei e não sei
nem
quero saber.
Só
peço
para não me perder cego.
J. Alberto de Oliveira
Nunca transcrevo os sonhos que me
visitam durante o sono. Deixo que eles se diluam no olvido. Mas o sonho, o que
tive a última noite, aqui fica.
Sonhei que detive no ar uma ave
muito, muito pequenina. Esvoaçava à minha volta. Era belíssima e de cor amarela. Tinha os olhos muito inquietos e meigos. Queria voar. Mas eu só imaginava uma gaiola
e comida para lhe dar. Eu queria que ficasse comigo todos os dias para todos os
dias a ver.
J. Alberto de Oliveira
Nos
vidros da minha janela
virada
a sul
as
gotas primordiais são da chuva.
Não
pesam mais que o ar
da
sua própria luz.
Escorrem
como se fossem lágrimas
a
cair nos lenços da alma.
Escorrem
porque é de vidro e névoa
o dom precioso da minha janela.
J. Alberto de Oliveira
1 - ENREDO
Madalena foi ao sepulcro muito
cedo. Ainda era escura a madrugada.
Madalena olhou para dentro do
rochedo e viu que estava limpo e vazio. Ainda bem, porque assim ela passa de
uma cisma a outra.
Madalena esquece num relâmpago a
palidez do corpo deixado no abismo da morte e principia a intuir um corpo redivivo,
iluminante.
Em alvoroço ela correu para o
mundo. Foi contar tudo.
Madalena correu ao ritmo da
memória tocada por palavras novas.
Pelo caminho, Madalena aprendeu a
conjugar o verbo ressuscitar com ressonâncias vivas, rutilantes.
2 - QUASI-POEMA
A ressuscitação foi um sublime flash divino.
Um instante de vigor na presença
de anjos.
E depois, só depois, foi dito aos
humanos: “ressuscitou!”
O redivivo mostrou-se e falou a
quem procurava o seu corpo,
seu corpo de súbito renascido
para o alvoroço do encontro.
O redivivo falou primeiro à
mulher que saiu de casa
pelo silêncio da madrugada ainda
escura.
Superando a distância, as
encruzilhadas e as horas tardias,
a mulher antecipou-se aos ruídos
do mundo.
Venceu a negrura, a morte e o
vazio.
3 - POEMA
Para dentro da pedra
escorre em ferida
o silêncio da pergunta
onde
o puseram
o
corpo que tanto procuro?
Para dentro da pedra
se debruça
o pensamento da mulher
apurando os sentidos do amor
com perfumes de lume novo.
J. Alberto de Oliveira
Depois
de lidas uma a uma
todas
as letras do dia
só
me fica a dourada mansidão.
Aquela
pausa do alvoroço
que
adivinho nos olhos
e
no espírito adormecido
das criaturas soleníssimas
logo
após o pôr do sol.
J, Alberto de Oliveira
Luís de
Camões desejava e sentia tudo o que seus olhos viam:
o rosto e
o corpo da amada, uma bonina, as ondas do mar.
Escrevia
as suas cartas, estâncias, versos e rimas como quem respira.
Com arte
e génio Luís de Camões fixou na língua portuguesa
as
palavras
que não
podem ser esquecidas.
É urgente
ler o Poeta para que nunca se perca a cadência,
as
sonoridades e a alma da melancolia camoniana.
Luís de
Camões no seu impulso irónico, brigão e amoroso,
imaginava
o dicionário que nos falta:
o
dicionário do amor.
Um dicionário onde a fala é ditosa e preciosa. Onde o sensível, épica e liricamente, se mostra e manifesta.
J. Alberto de Oliveira
Antes
de fechar os olhos
lavem-me
as feridas
ainda
com sangue à mostra.
No
fim da travessia
não
escrevam editais
com
piedosos propósitos.
Limpem-me
de tudo
com
sete versos
de
água corredia e nua.
J. Alberto de Oliveira
Que a tua boca aturdida
pela
mudez da noite
dite palavras silenciosas.
Depois
vai
à janela de casa.
Acena
a quem passa
com
a sua alma perdida
entre
linhas de versos nus.
No escuro do relento
estremeçam
todas
as primícias da altura.
J. Alberto de Oliveira
Às primeiras horas do nosso pão
de cada dia
escrevo em folhas alumiadas pelo
fogo.
Escrevo sacudindo o entulho
para não deixar que alguma vez
ele me cubra.
Escrevo desatinos e seu
alvoroço
subtraindo ao céu-da-boca
frases antigas
que ressoam na garganta
ao rubro.
J. Alberto de Oliveira