Quando o sol é grande
o ar cálido
nos olhos
os insectos
e as flores.
Quando o sol é grande
caem co’a calma as aves
em seus
mimos e amores.
J. Alberto de Oliveira
Quando o sol é grande
o ar cálido
nos olhos
os insectos
e as flores.
Quando o sol é grande
caem co’a calma as aves
em seus
mimos e amores.
J. Alberto de Oliveira
Amor é água antes do fogo.
Ou
para mais dizer:
é dor o amor enquanto espera.
São
apenas dois versos que li
lendo
a Fiama.
E foi quando escrevi:
sei
de uma fonte
que
muito luzia.
Luzia
mais que o ar.
Eu
bebia o fogo
no
seu primor
e na
ideia da água.
J. Alberto de Oliveira
Não
sei quem me espera.
Não
sei quem se esconde
por dentro do meu nome.
Não
sei quem fez do sol
a
torre da minha aldeia.
Não
sei e não sei e não sei
nem
quero saber.
Só
peço
para não me perder cego.
J. Alberto de Oliveira
Nunca transcrevo os sonhos que me
visitam durante o sono. Deixo que eles se diluam no olvido. Mas o sonho, o que
tive a última noite, aqui fica.
Sonhei que detive no ar uma ave
muito, muito pequenina. Esvoaçava à minha volta. Era belíssima e de cor amarela. Tinha os olhos muito inquietos e meigos. Queria voar. Mas eu só imaginava uma gaiola
e comida para lhe dar. Eu queria que ficasse comigo todos os dias para todos os
dias a ver.
J. Alberto de Oliveira
Nos
vidros da minha janela
virada
a sul
as
gotas primordiais são da chuva.
Não
pesam mais que o ar
da
sua própria luz.
Escorrem
como se fossem lágrimas
a
cair nos lenços da alma.
Escorrem
porque é de vidro e névoa
o dom precioso da minha janela.
J. Alberto de Oliveira
1 - ENREDO
Madalena foi ao sepulcro muito
cedo. Ainda era escura a madrugada.
Madalena olhou para dentro do
rochedo e viu que estava limpo e vazio. Ainda bem, porque assim ela passa de
uma cisma a outra.
Madalena esquece num relâmpago a
palidez do corpo deixado no abismo da morte e principia a intuir um corpo redivivo,
iluminante.
Em alvoroço ela correu para o
mundo. Foi contar tudo.
Madalena correu ao ritmo da
memória tocada por palavras novas.
Pelo caminho, Madalena aprendeu a
conjugar o verbo ressuscitar com ressonâncias vivas, rutilantes.
2 - QUASI-POEMA
A ressuscitação foi um sublime flash divino.
Um instante de vigor na presença
de anjos.
E depois, só depois, foi dito aos
humanos: “ressuscitou!”
O redivivo mostrou-se e falou a
quem procurava o seu corpo,
seu corpo de súbito renascido
para o alvoroço do encontro.
O redivivo falou primeiro à
mulher que saiu de casa
pelo silêncio da madrugada ainda
escura.
Superando a distância, as
encruzilhadas e as horas tardias,
a mulher antecipou-se aos ruídos
do mundo.
Venceu a negrura, a morte e o
vazio.
3 - POEMA
Para dentro da pedra
escorre em ferida
o silêncio da pergunta
onde
o puseram
o
corpo que tanto procuro?
Para dentro da pedra
se debruça
o pensamento da mulher
apurando os sentidos do amor
com perfumes de lume novo.
J. Alberto de Oliveira
Depois
de lidas uma a uma
todas
as letras do dia
só
me fica a dourada mansidão.
Aquela
pausa do alvoroço
que
adivinho nos olhos
e
no espírito adormecido
das criaturas soleníssimas
logo
após o pôr do sol.
J, Alberto de Oliveira
Luís de
Camões desejava e sentia tudo o que seus olhos viam:
o rosto e
o corpo da amada, uma bonina, as ondas do mar.
Escrevia
as suas cartas, estâncias, versos e rimas como quem respira.
Com arte
e génio Luís de Camões fixou na língua portuguesa
as
palavras
que não
podem ser esquecidas.
É urgente
ler o Poeta para que nunca se perca a cadência,
as
sonoridades e a alma da melancolia camoniana.
Luís de
Camões no seu impulso irónico, brigão e amoroso,
imaginava
o dicionário que nos falta:
o
dicionário do amor.
Um dicionário onde a fala é ditosa e preciosa. Onde o sensível, épica e liricamente, se mostra e manifesta.
J. Alberto de Oliveira
Antes
de fechar os olhos
lavem-me
as feridas
ainda
com sangue à mostra.
No
fim da travessia
não
escrevam editais
com
piedosos propósitos.
Limpem-me
de tudo
com
sete versos
de
água corredia e nua.
J. Alberto de Oliveira
Que a tua boca aturdida
pela
mudez da noite
dite palavras silenciosas.
Depois
vai
à janela de casa.
Acena
a quem passa
com
a sua alma perdida
entre
linhas de versos nus.
No escuro do relento
estremeçam
todas
as primícias da altura.
J. Alberto de Oliveira
Às primeiras horas do nosso pão
de cada dia
escrevo em folhas alumiadas pelo
fogo.
Escrevo sacudindo o entulho
para não deixar que alguma vez
ele me cubra.
Escrevo desatinos e seu
alvoroço
subtraindo ao céu-da-boca
frases antigas
que ressoam na garganta
ao rubro.
J. Alberto de Oliveira
Sei um segredo
que vou deixar para depois.
É uma lembrança no mar
sonhada fora do tempo.
Vale tudo ou nada.
Não tem som nem letras.
J. Alberto de Oliveira
Na
mansidão escura
das
noites sem lua
a
fala das estrelas
era
pertinente e altiva.
Que
me queriam as estrelas?
Que
me diziam em surdina?
Incertezas e a cinza da vida.
J. Alberto de Oliveira
No meu surrão de sonhos
guardo o pão e versos.
No meu surrão de fantasias
escondo alguns rascunhos.
Nele abrigo papéis velhos
de histórias para os amigos.
No meu surrão de sonhos
há coisas que nem adivinhas.
J. Alberto de Oliveira
Se eu adormecer no ponto
mais sensível do sono
nunca digas adeus.
Deixa-me primeiro
inventar uma história.
Quero um feixe de frases
que tenham sido atadas
por sete fios de sol.
Também quero um aceno
ao alcance de tudo ou nada.
Um vadio aceno da mão
cheia de versos travessos.
J. Alberto de Oliveira
Traz uma
rosa.
Entra nos
meus segredos.
Deixa o
pensamento
e seus
truques lá fora.
Depois
e só depois fecha a porta.
J. Aberto de Oliveira
Quando abriste oh lys
o dicionário na palavra
batimento
eu não sabia o que vinhas
inspirar.
Como não disseste nada
eu pensei em batimentos da
alma.
Em batimentos do coração e
outros.
Eu não sei mas hei-de
saber
se umas tantas notas
musicais
também são batimentos
ou tão só movimento de
partículas
da alma de Chopin.
Da alma no coração
abrasivo dos sentimentos.
Por
mais que o vento
sopre
lá fora
o
leite e o mel resplendem
nos
ângulos da cozinha.
O
leite e o mel escorrem
à
luz da candeia.
Na
sua recompensa
não
há sombras nem medo
O pavio dá luz inteira.
J. Alberto de Oliveira
Neste palheiro imenso
de pronúncias diversas
o poeta procura a difícil
agulha perdida.
Procura o verso
rigorosamente certo.
O som das palavras
exactas na sua medida.
J. Alberto de Oliveira
Fotografia: José Miguel Reis
Por
quem devo saber
o
modo como a rosa
é o tempo de si mesma
entre o sol e a vida?
A
quem devo dizer
que
a mística rosa
por amor do seu nome
ostenta a glória de ser?
J. Alberto de Oliveira
O visível e o invisível fluíam no seu olhar contemplativo.
Entre leves sombras de névoa e luz, entre sons de linhas de água e a pronúncia de algumas frases, parecia-lhe ouvir musicalmente os segredos que há muito, muitíssimo tempo não ouvia assim.
Veio o Poeta. E, com a mão direita pousada no ombro da mulher, perguntou:
- Como te chamas?
A mulher-doçura do vento respondeu:
- O meu nome anda perdido no livro das tuas palavras.
J. Alberto de Oliveira
Demoradamente o olhar se alicerça nas estrelas
e no seu firmamento.
Tudo lá no alto me parece firme ou eterno.
É um espaço onde o tempo talvez não exista.
O espaço onde parece que nada apodrece.
J. Alberto de Oliveira
Quando eu não posso
brincar
com a alma
as horas ficam entrevadas.
De bruços
caio no lamaçal do luto.
Faltam-me as
palavras
e a substância da música.
Quando eu não posso
brincar
com a alma
falta-me a luz da gramática.
J. Alberto de Oliveira
O
sol nas alturas
e
o mel nos rochedos.
A
história da água
no
linho da mesa.
O
azul da fala nua
nos
frutos da palavra.
Íntimo
rejubila o ar
nos
átrios do lume.
J. Alberto de Oliveira
O
mar que lês no poema
tem
a mesma sonoridade
que
o mar dos navegantes.
Um
e outro ondulam.
Precisam
da eternidade.
J. Alberto de Oliveira
Adeus,
fonte de lembranças,
Onde
a água remanseia.
Onde
fiz tantas promessas
Que
só me deram enleios.
O
afecto que me tens
Assenta
bem nos teus olhos.
A
tua boca é sagrada:
Parece
um botão de rosa.
J. Alberto de Oliveira
Mil e uma folhas do tempo
inflamam o pulso
e os idiomas do silêncio.
Mil e uma folhas de oiro
e de cristalino vagar
apuram o aprumo do outono.
Com jubilosa luminescência
e a paz do vento à mistura
mil e uma folhas
entram pelas varandas
de Vermodium adentro.
J. Alberto de Oliveira
Até
ao gume da última hora
os
dias afiam a cor
e a
matéria do outono.
A
vida é tudo ou nada
quando
toda ela se encosta
ao
fio quente da navalha.
É
sopro de fuga e dor
antes
de ser tábua rasa.
J. Alberto de Oliveira
António
Nobre está só
e
dado ao desassossego.
Tem
os olhos
encostados
ao poente.
Há
demasias de melancolia
a
sangrar nele.
O
poeta vai morrer só.
J. Alberto de Oliveira