Formosos são os olhos
que
principiam
no
amor sonoro
das
marés vivas.
Primorosos
são os olhos
que
luzem na flor de sal.
Que
me enleiam a voz
com
verdes algas do mar.
J. Alberto de Oliveira
Formosos são os olhos
que
principiam
no
amor sonoro
das
marés vivas.
Primorosos
são os olhos
que
luzem na flor de sal.
Que
me enleiam a voz
com
verdes algas do mar.
J. Alberto de Oliveira
Todos
somos atravessados por duas correntes essenciais.
A
corrente humana que nos engrandece, nos prolonga e nos eleva à excelsitude.
E a corrente animal que nos faz sofrer e mata como a todos os seres vivos do universo.
J. Alberto de Oliveira
É perigoso amar
onde são de vidro
fuligem
cinza e sal
os telhados da vida.
É negro e perigoso
morar
onde se morre de pavor.
J. Alberto de Oliveira
São magníficas as regras
que inspiram a intenção
imprevisível da música.
Que se apuram
numa cadência de afectos.
J. Alberto de Oliveira
A fonte é o ponto
mais sensível da terra
onde posso beber
à hora de ir embora.
Entre mim e a fonte
a sede
é motivo de horas cegas.
Um argumento da boca
às vezes tão ávida
a pedir água.
J. Alberto de Oliveira
Nas linhas que me desenham
o esboço é da casa da criação.
Da casa onde havia
um cendal de linho
mais antigo que o amor.
A minha alma crescia no miolo
do pão que sabia a leite quente.
Na mesa do pão tudo luzia.
Todas as letras do anoitecer
entravam pela cancela amiga
que também para ti se abria.
J. Alberto de Oliveira
Devagar o bulício das ruas
entra no poente.
Devagar se aprende
a soletrar
as horas mortas
e a maresia defuntal.
Devagar tudo se mistura
com o sentimento
dum tísico poeta ocidental.
J. Alberto de Oliveira
Os lameiros são espelhos de água e de
inverno.
As árvores sem folhas e as nuvens sem rasgões para o azul do céu, aludem ao abandono.
Há pássaros que não emigram. Persistem iguais aos seus antepassados de há trezentos anos.
Limitam-se a viver. Pouco ou nada cantam. Piam e voam de ramo em ramo.
O cenário, que vejo com estes olhos que a terra me há-de comer, é todo interior.
Os lameiros, a água, as árvores, as nuvens espessas, a erva e os pássaros transformam-se em espírito absorto e pensativo.
Este é o seu destino, expansivo até ao fim dos tempos. Esta é a sintaxe do sentimento obscurecido pelo rigor de geadas e frios ventos.
J. Alberto de OliveiraA divinal claridade
Seja em vosso entendimento,
E vos dê conhecimento
De sua natividade.
Gil Vicente - Auto da Fé - 1510
Talvez um dia se possa ler
no imo sensível da poesia
a
sorte de horas somadas
ao
acaso de palavras extremas.
Talvez
se possa dizer
que
a poesia é mais funda e viva
que uma ferida tocada pelo sal.
J. Alberto de Oliveira
Se puderdes trabalhar por mim, dai-me de comer e deixai-me pensar
aquilo que nem imaginais.
Deixai-me soletrar o que nem ousais dizer.
Possa eu adivinhar o que nunca haveis de ouvir.
Tenha eu o tempo propício para ver o limiar do invisível e sonhar o nada
que é evidente.
E quando eu tiver fome, trazei um naco de pão, ó companheiros do mundo.
(Texto escrito enquanto ouvia Khatia Buniatishvili ao piano na Casa da
Música, no dia 06/10/2019)
Eu
sou o nó cego do meu próprio nome
disse
o poeta.
E
naquele dia não escreveu mais nenhum verso
ou
argumento da melancolia.
Saiu
de casa ao lusco-fusco.
Desceu
ao jardim
e
sentou-se na sua pedra
para
ouvir a arte musical de cores e cotovias.
J. Alberto de Oliveira
impróprio
de registo ou notícia.
Desço
à rua de mala pronta.
Não
perco o passo nem a fronte.
Desço
à rua e faço a travessia
saudando a aragem e as sombras.
J. Alberto de Oliveira
Se eu adormecer no ponto
mais sensível do sono
nunca digas adeus.
Deixa-me primeiro
inventar uma história.
Quero um feixe de frases a
por um cordel de sete nós.
Quero um feixe de frases
que tenham sido atadas
por sete fios de sol.
Também quero um aceno
ao alcance de tudo ou nada.
Um vadio aceno da mão
cheia de versos travessos.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: Pablo Picasso
Na
última dobra do linho
a
hora que nos espera
apaga
as coisas visíveis
e
tira-nos o tubo do oxigénio.
Na
última dobra do linho
morre-se
deste modo:
simplesmente
com falta
de
oxigénio e de poesia.
J. Alberto de Oliveira
Se
me perguntares a que horas eu volto para casa
eu
direi que todas as horas são improváveis.
São
lugares incertos os meus pontos de partida.
E
demais a mais faço o caminho em bicos de pés.
Com
os olhos afeitos ao escuro e ao silêncio macio.
J. Alberto de Oliveira
Lunar e profunda era a noite
em que nasci dado ao mundo.
Suspensa a noite unia
o
ar da luz
e o leite de beijos
aos murmúrios em desalinho.
De luxo
era a noite dada
em lídimo nó
ao meu cordão umbilical.
J. Alberto de Oliveira
Fotografia: eclipse lunar (27/07/2018) - Horácio Azevedo
Para compreender o mundo, precisas de companhia equivalente
a sete medidas de farinha-triga com uma pequeníssima porção
de fermento.
E, sobretudo, é necessário que evites o uso e abuso do
quotidiano.
Lembra-te que os jogos de palavras azedam o convívio e a
expectativa do sono.
Olha que há muitas escalas da beleza e da linguagem.
Para subir devagar, não esqueças que as escadas mais
preciosas
são de madeira e suportam mal cargas pesadas.
J. Alberto de Oliveira
Não te afastes da frente
por mais que soprem os ventos.
A voz sem autor
é uma espécie de tela escura.
Não te corrompas
nem te iludas.
Uma camélia com tinta rubra
fia mais fino que o mundo.
J. Alberto de Oliveira
S. Francisco de Assis desafiou a morte
com serenidade e louvor. Contrariamente à maioria dos humanos, que a olham “tão odiosa e terrível”, o Santo
convidou-a a hospedar-se em sua casa: “Bem-vinda
seja – dizia – a minha irmã morte”.
E, para o médico: “Coragem, irmão médico, não receies dizer-me que está próxima a minha
morte, porque ela é para mim a porta da vida”.
E para os irmãos: “Quando me virdes entrar em agonia, outra vez nu me haveis de estender
no chão, como anteontem, e assim morto, deixai-me jazer o tempo que levaria um
homem a percorrer folgadamente uma milha”. (2 Celano, 217)
Possivelmente o tempo que vai da terra à eternidade é o mesmo que demora um homem a fazer a pé 1.609,344 metros, isto é, uma milha.
J. Alberto de Oliveira
Imagem: Alberto Péssimo