27.6.15

ADAGIO




Não toco em nada
quando a chuva molha as rosas.

Não escrevo nada
enquanto as varas do vento

desenham o imo de uma frase.

Na voz dos sinos do sul
trocando as horas em sentimento

releio só lembranças quebradas.

J. Alberto de Oliveira

13.6.15

NOS FINS DO HORIZONTE



Partículas do ar poente
e de água

sustentam anjos
e as aves

que pairam
nos fins do horizonte.

Que esvoaçam
entre poemas e lenços.

Que atordoam o oiro 
vesperal do sono.

J. Alberto de Oliveira

4.6.15

IN TEMPUS PRӔSENS



Há os que fogem dos sentimentos do mesmo modo
que outros passam velozes pelas brasas do amor.


Primeiro roubam o ouro e o linho ao luar.
Depois escurecem o jardim e as tuas rosas oh Mãe!


O amor só quer o amor e nada pede em troca
a não ser um ou sete beijos por uma rosa.

J. Alberto de Oliveira

27.5.15

A REGRA





Por uma exígua soma de ouro e poder
gritou em voz alta e aguda:
Sai daqui. Esta terra não é tua.

E fiz do exílio a regra:

Não se deve pedir licença ou um beijo
à pequenez da incivilidade

e muito menos à mediocridade cega.

J. Alberto de Oliveira

11.5.15

CORRENTE DE FOGO




Obrigado, C.
Que bem me fez o texto!
Ajudou-me a pensar, a entender as inúmeras irritações que entristecem
quando estou diante de uma obra de arte excelente: paisagem, música, texto, pintura, rosto, arquitectura.
Eu estremeço de ira quando me perco no clarão da obra
e há gente por perto,
à minha volta, com posturas de impostura e maneiras
de imparáveis passageiros.
Essa gente tira-me de mim.
Eles não sabem o que é o silêncio, a quietude, a interioridade.
Eles não sabem como se estabelece, entre a delicadeza da alma
e o interior do fulgor,
uma furtiva corrente de fogo.

J. Alberto de Oliveira

Imagem: Duane Michals  Ludmilla Tchérina, 


1.5.15

O MÊS MAIO DA MÃE





Dentro de mim sonha o sol
com linhas da infância.

É o mês maio da Mãe
a lembrar um livro.

Um livro com letras e rosas.

Dentro de mim as lembranças
vivem pensativas e primorosas.

J. Alberto de Oliveira

27.4.15

POR ESTES DIAS



Por estes dias últimos do mês Abril, 
parei à porta da minha primeira escola.
Semelhante a qualquer errante, estanquei ali uns minutos a falar
com algumas das minhas lembranças.
Em abono da verdade que me alumia, depressa desci ao roseiral
mais próximo e roubei três rosas,
isto é, as três razões de uma vocação inteira.
Com três rosas, eu sabia que haveria de selar
o vetusto e firme degrau da porta da minha primeira escola.

J. Alberto de Oliveira

22.4.15

AS LINHAS DE ESCRITA




– São tão breves as tuas linhas de escrita! Porquê?
– São do tamanho breve dos meus dias. Dignas de ser, cabem-me na palma da mão, no ângulo mais firme da casa ou nos interstícios das nuvens que passam a caminho de não sei onde.

J. Alberto de Oliveira

14.4.15

O HERBERTO HELDER



Ontem, o Herberto Herder
fechou-se "inteiro no poema".

É injusta a morte dos deuses.
Não queremos que eles morram.
Esperamos que fiquem sempre connosco
a respirar o mesmo ar
da nossa condição precária.

J. Alberto de Oliveira
24/03/2015

4.4.15

MANOEL DE OLIVEIRA



Não gosto de ir a funerais.
Fui ao funeral do Manoel de Oliveira
para louvor e por gratidão.
Ao seu nome foram concedidos 106 anos
de sal e dons transmudados em eternidade.
Demais a mais
a hora e o dia eram consonantes
com a substância divina
e com a matéria de suas imagens futuras

se Deus e os anjos
a par e passo estiverem pelos ajustes.

J. Alberto de Oliveira
Foto: Alfredo Cunha

RESSURREIÇÃO



O que aprendi com Teresa? Que a ressurreição não é um acto de potência divina, mas a suprema manifestação de amor. Dar a vida não chega, não é um acorde consonante com a substância. Ressuscitar, sim, é o acorde perfeito.
[…]
– Sim – diz-me ela, pousando as mãos nos meus joelhos: – Desejo encontrar alguém que me ame com bondade, e que seja um homem.
– Alguém que queira ressuscitar para ti?
– Sim. Alguém que tenha para comigo essa memória.


Maria Gabriela Llansol – O Jogo da Liberdade da Alma

24.3.15

VERSOS PARA AMÁLIA



Se o silêncio me calar
onde queres que eu escreva

uma citação do teu fado?

E se o destino me perder
onde queres Amália

que eu deixe um recorte
de teus versos rimados

teus versos de fala cantada
que te couberam em sorte?

J. Alberto de Oliveira

11.3.15

NOMES SELADOS





Os nomes selados em testamento
são a voz de meu pai e da mãe

que se elevam à altura
da eternidade que os acompanha.

Já não há morte nem pronomes.

Apenas o arco e o silêncio do azul
a dar-se à cor mais pura da alma.

J. Alberto de Oliveira

6.3.15

O SONHADOR




O meu nome é José, sonhador como o outro, o do Génesis.
Eu sei que me olham de soslaio todos aqueles que se contentam com as fronteiras do realismo do ter e do poder.
Quando me sento no tapete da sensibilidade e da contemplação, eu sei que me atiram para as margens.
Eu sei que desconfiam dos sonhos e da inteligência visionária.

J. Alberto de Oliveira


26.2.15

NO VIDRO DA JANELA




A palavra que me escreveste
no vidro da janela

diluiu-se em transparência.

Não te esqueças
oh musa

de voltar a escrevê-la.

J. Alberto de Oliveira

25.1.15

UMA IDEIA EM CHAMAS



Na minha mão esquerda
há uma ideia em chamas.

Na minha mão esquerda 
uma pedra em rodopio
                         
anseia o desvario.

Com a pedra acesa
hei-de quebrar a noite

e os vidros da tua casa
de altas janelas ao luar.

J. Alberto de Oliveira

3.1.15

POÉTICA DE INVERNO





Oh musa bela
no chão da neve!

Sete chamas te peço
para um só verso.

 J. Alberto de Oliveira


27.12.14

OS DEGRAUS DA ESCADA



E o anjo de Dional
veio à boca do poema dizer 
                              
todos os degraus da escada
servem para descer com o vento

e subir ao céu mais alto do ar.

J. Alberto de Oliveira

Imagem: Marc Chagall

19.12.14

ROSA POEMÁTICA




No modo crescente
de ver o ar alumiado

flutua a beleza
alusiva ao júbilo.

É rosa poemática
o aprumo da luz.

J. Alberto de Oliveira

30.11.14

A INOCÊNCIA DA LÍNGUA




Não faço palavras cruzadas.
No dicionário da alma 
procuro somente o que é dito a lume e ao ouvido.
Eu pratico a inocência da língua.

J. Alberto de Oliveira