9.12.08

QUE HORAS SÃO?




Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais importa.
Para que o horrível fardo do tempo não vos pese sobre os ombros e vos faça pender para a terra, deveis embriagar-vos sem cessar.
Mas de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.
Mas embriagai-vos!
E se um dia nos degraus de um palácio, na erva verde de uma valeta, na solidão baça do vosso quarto, acordardes, já sóbrios, perguntai ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai:
– Que horas são?
– São horas de vos embriagardes!
Para que não sejais os escravos martirizados do tempo, embriagai-vos sem cessar. De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.


Charles Baudelaire(Tradução: Jorge Sousa Braga)

8.12.08

A NEVE






_____ fala-me da neve
e de sua candura profunda.

Fala-me das legendas

que a neve
acende no pensamento.


J. Alberto de Oliveira

CITAÇÕES DO OLHAR





1 –

Antes da palavra

a demora das horas
na fala do olhar.


2 –

A cegueira de ser
água e fogo

argila quente
sopro amoroso.


3 –

A verdade por dentro
das coisas simples.

O ouro da intimidade.

O selo da mais alta palavra.


 J. Alberto de Oliveira

S. FRANCISCO DE ASSIS



S. Francisco de Assis falava outrora
Às aves e às ervinhas, triste e só…
Se tudo quanto vive, sofre e chora,
É a mesma alma eterna, o mesmo pó!

Por isso ele sentia pena e dó
Por tudo quanto doira a luz da aurora,
E não bebeu no poço de Jacob
Aquela água de vida redentora.

Irmão morte, irmão corpo, irmãs ervinhas!
Ó pedras! Ermas fontes pobrezinhas!
Lobos, uivando à lua, em erma serra!

Quanto vos amo em Deus! E sinto bem
Que esta terra que eu beijo é nossa mãe
E que a sombra de Deus anda na Terra!


Teixeira de Pascoaes
Fotografia: J. Alberto de Oliveira

15.10.08

O SOPRO INTUITIVO





O sangue 
rendido à sede.

A linha infalível.

O sopro
intuitivo de Deus.


J. Alberto de Oliveira

7.10.08

O SILÊNCIO VIBRANTE




(...) Falo de uma viagem onde é possível perder o próprio nome, e morrer disso.
E então viver.
Não dormindo, como as nossas bestas respeitáveis.
Viver - digo eu.
E que o nosso afastamento, o silêncio vibrante, a grande morte pensada e amada nas profundidades - fossem bastante para vergar as bestas todas, empurrá-las pelo seu próprio sono abaixo, afundá-las até ao inferno.

Herberto Helder - Apresentação do Rosto

NA CARREIRA DA ESTRELA



Entrando eu num eléctrico (recordo-me bem, era da carreira da Estrela), deparo com Fernando Pessoa que me pergunta de chofre:
– Já notou uma coisa, ó Pascoaes? Há escritores de quem toda a gente fala e ninguém lê, e outros de quem ninguém fala e toda a gente lê. E destas duas espécies, qual, em seu entender, tem mais valor?
Respondi que aqueles de quem toda a gente fala e ninguém lê, e Fernando Pessoa rematou:
– É também a minha opinião.


(De uma entrevista de Teixeira de Pascoaes)

5.10.08

A PRIMEIRA VIAGEM





Não havia mundo.
Não havia coisas.

Era tudo
um fio de quase nada.

Era um fio de luz
o desenho da árvore

onde só havia
sonhos de uma cotovia.


J. Alberto de Oliveira

3.10.08

ESTRELA VIVA NO CÉU





Estrela viva no céu
de tão alto sonhar

diz-me o que vês.

Ensina-me a escrever
segredos de poeta.

Dita-me um poema.


J. Alberto de Oliveira

Fotografia: Carlos de Oliveira

19.9.08

UMA VARA DE FOGO





Uma vara de fogo
me seca a boca.

O ar é pensativo

e quase absorto
nas letras que respiro.


J. Alberto de Oliveira
Fotografia: Ana Afonso

18.9.08

FIGURAS DE BRUMA




Figuras de bruma
iluminam o horizonte.

Acendem as águas
negras do mundo.

Figuras de névoa
de alma e sonhos

perfumam o ar
e o alto silêncio.

Voam com o vento
quando eu corro

atrás de segredos
que já foram

abrigos do fogo.

J. Alberto de Oliveira
10/08/2008
Fotografia: Ana Afonso

TRÊS VEZES AMOR



                                   para a Inês

A menina veio 
para dizer

três vezes amor.

furtivamente
um fio invisível

em pleno 

voo do vento

lhe tocou no rosto.

J. Alberto de Oliveira

30.7.08

SALMO




Livra-me Senhor
das máquinas do vazio.

Livra-me do martelo 

duro da dor

a bater como bate

um coração rude e frio.

J. Alberto de Oliveira

23.7.08

A CASA




A casa que se fez
de alma e pedra

no interior do lugar
e do desenho 


é obra do alicerce.

Mostra a nudez
rasgada na janela.

Acende o silêncio
na primeira chama


que lhe traz o vento.

J. Alberto de Oliveira

25.6.08

O SEGREDO MAIOR





No lugar onde ouvi
o segredo maior


havia um tanque
de água e limos

e delírios da alma.

Florido estremecia
na água o linho.

Estremecia o silêncio
rente à flor do segredo.


J. Alberto de Oliveira

12.6.08

O MENSAGEIRO





Não conheço paixão mais profunda nAquele de que sou mensageiro do que poder dizer, com verdade, a toda a mulher: Bendita sois entre todas ____________.

Maria Gabriela Llansol
in Lisboaleipzig 2

10.6.08

DUAS PALAVRAS





- Onde vais buscar o linho verbal que há nos teus versos?
- À substância unitiva e configurante dessas mesmas duas palavras.


J. Alberto de Oliveira

4.6.08

A PRONÚNCIA MUSICAL DE J. S. BACH




Ó amantes de geometria e matemática! Quem de vós, porventura, já leu abismos, equações, alturas, ângulos e fracções luminosas num desenho musical de J. S. Bach?

E qual a distância entre o fulgor tangível de uma flor e a pronúncia musical de J. S.Bach?

J. Alberto de Oliveira

6.5.08

O ROSTO QUE SONHA



                                                     para José Rodrigues

Não se sabe donde
vêm a mão
o silêncio e a luz.

Com elementos primordiais

e legendas vivas
do Santo de Assis

descem e mostram o rosto
que sonha demasias.

São demasias de ser 
e ternura.

Debaixo da mão
do silêncio e da luz

resplende e sonha
o primeiro de muitos rostos.

J. Alberto de Oliveira

5.5.08

O LUME VIVO





A mão no silêncio
da noite perfumado.

O lume vivo
na mão extasiado.


J. Alberto de Oliveira

DO CANTO MAIOR




[...] perguntam à Sulamita o que o seu amado tem de particular, sobretudo que tem ele que elas também não tenham nos seus


e ela desce ao pormenor de lhes dizer como ele a faz [...],


fechou-se na minha antecâmara, penetrou nos meus luxuosos apartamentos, brincou com os brincos e os colares, com os mamilos e os dedos, com os tecidos e os lábios,


com as colunas e as minhas longas pernas onde gosta de se enrolar como heras e vinha virgem, embrenhou-se, parou ofegante,


deslizava pela minha pele mais escura que a noite, corria pelas minhas formas mais firmes que o solo dos seus combates e, finalmente, depôs em mim o segredo do seu veneno; quando acordei, estava só e tive medo que tivesse morrido ou, se morto,


eu não conseguisse encontrá-lo como meu, ou eu?


Maria Gabriela Llansol - ONDE VAIS DRAMA-POESIA?

10.4.08

OS SONS DA MELANCOLIA




Um fio de voz sentida
por acção íntima do vento

é obra das mãos.

Os sons da melancolia
ouvem-se rente ao chão.

J. Alberto de Oliveira

4.4.08

A ALMA A PRUMO




Entre os primeiros fios
de sangue e pensamento

ardia a fala da alegria.

Entre o amor no poema
e o fulgor da infância

luzia um verso profundo.

Via-se num filamento
a alma a prumo.

De júbilo era a música.

J. Alberto de Oliveira

Fotografia: Carlos de Oliveira

21.3.08

UM NÚMERO VAGABUNDO




Por sorte em mim o que lês
ao ritmo das coisas nascentes?


Um número vagabundo.


O número ímpar e propício
aos rituais
do vento e da primeira luz.


J. Alberto de Oliveira

17.3.08

MARIA GABRIELA LLANSOL



Maria Gabriela Llansol, que "temia a impostura da língua", tornou-se vulnerável às "sombras do luar libidinal".
Doou-nos o fulgor da textualidade.
Convida-te a seres legente do texto, do "desejo insustentável de eternidade".
M. G. Llansol ensina que "escrever é amplificar pouco a pouco" e que o acto de ler é "uma alma crescendo".

J. Alberto de Oliveira

6.3.08

O VESPERTINO COMEÇO




Com o vespertino começo
de uma luz enlevada

alguém me ensina a ler
a alegria do enamoramento.

No aprumo da claridade
a cadência é mútua.

O ritmo é da intimidade.


J. Alberto de Oliveira






22.2.08

PARA ALÉM DA MARGEM




Os poetas, os santos, os artistas - no seu obstinado desassossego e desejo de perfeição - atingem a consciência, a lucidez sensível e altiva do que são e onde estão:
para além da margem.

J. Alberto de Oliveira

19.2.08

EM SETEMBRO








A mulher que em setembro
corre ao vento pelo mundo

alude o amor e o sangue
de seu maternal aprumo.

Resplendece ao vento
a mulher que em setembro

leva rosas da infância
e júbilo em seus cabelos.

J. Alberto de Oliveira

5.2.08

UM ESTREMECER QUIETO




Ver espelha
o azul e a oferenda.

Abre uma pausa
na lembrança.

Ver
no seu último verso

é um estremecer quieto.

J. Alberto de Oliveira
Fotografia: Ana Afonso

30.1.08

UM ABISMO DE VIDA





Talvez as águas em vertigem
me assinalem o rosto

e os pensamentos

a alma e os sentidos
do corpo todo.

Não olhes nem lhes toques.

É um abismo de vida
o perigo de morte.

J. Alberto de Oliveira

28.1.08

QUASE DE AMOR





Trata-se de um nome
escrito ao frio

muito branco da lua.

Trata-se do esplendor
de geadas e linho puro

num lenço antigo.

Num lenço que dizes
ser quase de amor.

J. Alberto de Oliveira

19.12.07

ROSA RORANS BONITATEM






Stella stilans claritatem,
Rosa rorans bonitatem.


(Brasão de Santa Brígida da Suécia)

17.12.07

OH NOITE SUBLIME





Oh noite sublime
de tão branda

faz de mim uma pausa
ardentemente viva

entre o beijo e a alma.


J. Alberto de Oliveira

30.11.07

NESTE SÍTIO DE SILÊNCIO



Agora
que te surpreendo

e amo
neste sítio de silêncio


um ramo de sol
aviva a nudez da água.

O pão torna-se maior.


E a toalha da mesa
fica muito branca.

Fica toda iluminada.

J. Alberto de Oliveira

15.11.07

UNICUM NECESSARIUM




Quando nasci - e foi o que falaram - eu era o meninopoeta 
que não dizia nem escrevia os versos que em mim havia.

E quando vier a hora incerta
do obscuro nó de tudo

seja eu ainda poetamenino.

Sejam de asa ou de névoa 
os últimos versos da minha língua.

J. Alberto de Oliveira

3.11.07

SOPRO A SOPRO





Rendo-me à evidência
das letras e palavras

em que sopro 
a sopro me escrevo.

À margem do mundo
aida respiro

quase absorto
altivo e profundo.

J. Alberto de Oliveira

15.9.07

O SÉTIMO SELO




Amada como um sonho
a rosa


é o sétimo selo.

A matéria luminosa
da primeira 


lembrança de Deus.

J. Alberto de Oliveira

NO SILÊNCIO DO VIDRO




Entre duas sílabas
o amor

e o indizível estremecem.

Há um fulgor
tangivelmente sentido

no silêncio do vidro.


J. Alberto de Oliveira

27.7.07

A OBRA QUE SE ESBOÇA




A lua no mar
e a noite que se demora

furtivamente são 

o desenho e a casa.

A obra que se esboça
na palma da tua mão.


J. Alberto de Oliveira

19.7.07

A REFLEXA LUZ


Ao meu Pai que me ensinou a olhar, a ver e a ser para lá da luz do horizonte

Aqui entre a poeira
do mundo

uma névoa de vento
cintila
e te perpetua em paz.

Aqui a reflexa luz
de que vivias
fez-se névoa de asas.


J. Alberto de Oliveira

13.7.07

O ORVALHO DO NOME

Fotografia: J. A. de Oliveira



Quando chegar a casa
no sítio onde moras

quero ainda ver o linho
todo em flor.

Quero ver no linho
o orvalho do nome

que perdi à tua porta.

J. Alberto de Oliveira

9.7.07

O LUXO DE SER

Fotografia: J. A. de Oliveira



Contenta-me ser banido 
pelos trôpegos da palavra 

pelos inestéticos da vida
pelos duros de coração

pelos fiéis da ganância
pelos imbecis da alma.

J. Alberto de Oliveira

5.7.07

PERDIDAMENTE FLORBELA



Do primeiro ao último verso
a tua voz
alude à sede suprema.

Responde às promessas
de que tão perdidamente viveste.

J. Alberto de Oliveira

29.6.07

PIER PAOLO PASOLINI





Per essere poeti, bisogna avere molto tempo:
ore e ore di solitudine sono il sono modo
perchè si forma qualcosa, che è forza, abbandono,
vizio, libertà, per dare stile al caos.
Io tempo ormai ne ho poco...

Pier Paolo Pasolini

AO VIR DA MADRUGADA

Fotografia: J. A. de Oliveira



Ao vir da madrugada
o pensamento do amigo

ilumina-se de orvalho.

Luzem versos  
por onde passa a vinda.

Ao vir da madrugada

o pensamento do amigo
torna-se muito leve

junto à porta da amada.

J. Alberto de Oliveira

22.6.07

SETE GOTAS

Fotografia: J. A. de Oliveira



Ao cego e silencioso 
infinito do sono

abre-se o luzir
das primeiras gotas

dadas à noite
propícia ao relento.

É o luzir de sete gotas
de sangue e perfume

de puro enamoramento.

J. Alberto de Oliveira





10.5.07

SPREZZATURA



Joy, largueza, proeza - são cânones da cortesia provençal que informaram toda a juventude de Francisco de Assis. Os seus companheiros recordavam-no "pródigo e cauto mercador, mas magnificentíssimo, altivo e generoso, ligeiro e não pouco audaz, superior em grandeza de alma, rico em liberalidade".
No sonho da conversão viu unicamente símbolos cavaleirescos.
Convertido, reclamando-lhe o pai os seus haveres e citado perante o bispo, efectuou uma sprezzatura deslumbrante, despindo-se até ficar nu em pleno episcopado e atirando as roupas para o chão. (O bispo agiu admiravelmente a condizer, cobrindo-o com o seu próprio manto).

Cristina Campo - Os imperdoáveis

15.3.07

O CÂNTICO DOS CÂNTICOS

Fotofrafia: J. A. de Oliveira






O Cântico dos Cânticos é um belíssimo poema a iluminar a palavra Amor. É uma vitória dos que amam, tendo como alicerce as forças mais vivas da natureza.
Será possível um grande amor sem a terra fecunda, sem as águas correntes, o sol, as flores, o vento?
Os animais e as plantas rejubilam com o amor do homem e da mulher.
Dir-se-ia que o o Cântico Maior, também assim dito, subtilmente revela que o amor nos humanos move-se do lado do amor de Deus.
É o cântico de núpcias da Criação!
É uma outra forma de exprimir o indizível, o espaço onde a mulher surge primeiro e se movimenta, como quem procura uma alegria perfeita.
Melhor que o homem a mulher sabe do essencial.

J. Alberto de Oliveira