2.7.18

CAMÕES





Nesta língua que é a nossa.
Nesta língua de viajantes e aventureiros “por mares nunca de antes navegados” à procura de terras, povos e riqueza.
Nesta língua cheia de histórias contadas, desastres e soidade.
Nesta língua dos pobres que somos, há tesouros inexplicáveis como ENDECHAS A BÁRBARA ESCRAVA:

Aquela cativa
Que me tem cativo
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos
Que pera meus olhos
Fosse mais formosa.
   Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.
   Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Preto os cabelos
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.
   Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.
   Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena,
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E pois nela vivo,
É força que viva.

O texto-poesia de Camões é de tal modo isento, livre, profundo e belo que, ouvir ou ler os académicos a falar dele, a gente estremece de pavor. Citando Herberto Helder,
“essa gente bárbara
que torna mínimo qualquer poema”,
diverte-se com os tesouros desta língua nossa e nobre.
Obrigado, Camões!
Firma-te nas delícias que te moviam e, como diz Herberto Helder, também “acautela a tua dor que se não torne académica”.
É bom que te rias dos sábios que não sabem ler os teus versos, porque usam e abusam do poder professoral.
Faltam-lhes a alma e a sensibilidade poéticas.
Obrigado, Camões!

J. Alberto de Oliveira