Nesta
língua que é a nossa.
Nesta
língua de viajantes e aventureiros “por mares nunca de antes navegados” à
procura de terras, povos e riqueza.
Nesta
língua cheia de histórias contadas, desastres e soidade.
Nesta
língua dos pobres que somos, há tesouros inexplicáveis como ENDECHAS A BÁRBARA ESCRAVA:
Aquela cativa
Que me tem
cativo
Porque nela vivo
Já não quer que
viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos
Que pera meus
olhos
Fosse mais
formosa.
Nem no campo flores,
Nem no céu
estrelas
Me parecem belas
Como os meus
amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de
matar.
Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é
cativa.
Preto os cabelos
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são
belos.
Pretidão de Amor,
Tão doce a
figura,
Que a neve lhe
jura
Que trocara a
cor.
Leda mansidão,
Que o siso
acompanha;
Bem parece
estranha,
Mas bárbara não.
Presença serena
Que a tormenta
amansa;
Nela, enfim,
descansa
Toda a minha
pena,
Esta é a cativa
Que me tem
cativo;
E pois nela
vivo,
É força que
viva.
O
texto-poesia de Camões é de tal modo isento, livre, profundo e belo que, ouvir
ou ler os académicos a falar dele, a gente estremece de pavor. Citando Herberto
Helder,
“essa
gente bárbara
que
torna mínimo qualquer poema”,
diverte-se
com os tesouros desta língua nossa e nobre.
Obrigado,
Camões!
Firma-te
nas delícias que te moviam e, como diz Herberto Helder, também “acautela a tua dor que
se não torne académica”.
É
bom que te rias dos sábios que não sabem ler os teus versos, porque usam e abusam do poder professoral.
Faltam-lhes
a alma e a sensibilidade poéticas.
Obrigado,
Camões!
J. Alberto de Oliveira