Quando o
menino se sentou à mesa de leitura, com o seu primeiro livro de todos os dias,
a mãe cozia uma fornada de pão.
A carqueja
e a caruma ardiam no forno. Difundiam o fumo que perfumava as roupas, os
cabelos, as mãos,
os olhos e o espaço em volta.
Do ventre
quente do forno saíam faúlhas que transmitiam o prazer de ver e de estar ali.
O fumo e as
faúlhas subiam com as ideias e o sentimento das palavras que o menino soletrava.
– Filho, lê
um bocadinho mais alto para eu ouvir.
As mães são
as melhores companheiras de leitura dos filhos.
O lume
luzia no forno.
A massa
levedava em silêncio e aconchego na masseira fechada, sob o efeito do crescente
que a vizinha trouxera, na véspera, ao entardecer.
O lume
ardia sob os efeitos do seu próprio destino.
E a criança
lia, soletrando o que aprendia.
– Mãe, tu
gostas tanto de cozer pão como gostas de ser mãe?
– Se as
mulheres não tivessem filhos, não era preciso o trabalho da cozedura do pão.
Não havia gente a pedir o pão que se come todos os dias. E se faltasse o pão,
até mesmo a nossa boca perdia o sabor.
A mãe, a
primeira mestra de todas as leituras, tinha sempre uma resposta. Ela sabia de
cor bonitos e sábios segredos.
– Filho,
vou-te dar um conselho que me ensinou a minha madrinha, quando eu era pequena,
e que nunca mais esqueci: “pão, roupa e um vintém, não carrega(m) ninguém.”
– Não
percebi nada!
– Um dia
vais entender.
Naquela
casa, a mãe sustinha o esteio da vida, os rituais do quotidiano, os prazeres da
fala e da infância.
Naquela
casa térrea, aprendia-se a esperar o pão e as delícias da ternura. Aprendia-se
a descobrir frases futuras.
– Filho, lê
essa ideia outra vez!
– O quê,
mãe?
– As palavras
que leste agora no livro. Diz outra vez!
– As rosas
são as namoradas do sol.
– Que lindo,
filho! Nós ainda vamos aprender muitas coisas assim bonitas. Nós havemos de
saber mais do que todas as coisas que se ensinam nas escolas todas do mundo.
A mãe reconhecia
o filho à mesa de leitura.
O menino
reconhecia a mãe no acto de cozer o pão, no modo de pensar, nos sentimentos, no
olhar e nas palavras que dizia.
Mãe e filho
eram duas verdades unidas por um elo único e precioso.
O menino
que lia devagarosamente, não adivinhava que nas lembranças da mãe se inteirava
e repetia o momento do seu próprio nascimento.
Debaixo da pele da infância que a mãe nutria, o
filho era a imagem do crescimento contínuo, esperando o pão nosso de cada dia.
O menino
soletrava, decifrando pequenas frases maternais invisíveis nas linhas do livro.
Um dia, alguém
disse mais ou menos isto: dois seres afectuosamente confidentes, unidos pelo
prazer de existir, são causa mútua de vida e júbilo.
Outro dia,
o menino de sua mãe, que nasceu poeta e poeta cresceu, lembrou-se de escrever
num caderno de versos:
No miolo do
pão
as mães deixam o sal
o sopro e o
coração.
J. Alberto de Oliveira
in O teu Dia, Mãe
C ART- 2014