26.3.12

VERSOS AVULSOS






São palavras feridas
nas arestas da pedra

as palavras que secam
meus olhos e a língua.

São elas o pulso febril
de versos avulsos.

Meus versos de medir
a vida a prumo

com varas de lápis-lazúli.

J. Alberto de Oliveira

22.3.12

INVERTER A FALA





Trabalho numa oficina da linguagem
com substâncias delicadíssimas.

Lido com palavras superlativas
e sinais de pausa e silêncios.

O meu ofício é inverter a fala
com o lápis da jubilação.

Começo pela argila de mim mesmo
e termino no oiro da alumiação.

J. Alberto de Oliveira

14.3.12

PUNTI LUMINOSI




Por veredas e baldios de outrora 
o sentido era voltar sempre em desatino.

Dizendo de outro modo:

na infância o pensamento 
era um ponto de incêndios.

O cerne e vórtice 
donde subiam faúlhas de ínvias letras.

J. Alberto de Oliveira

12.3.12

EM CHAMA VIVA



Por acção justa do lume
a boca nomeia o rubor
que a tange e perfuma.

É caligrafia do silêncio
em chama viva
a estrita fala de Deus.

J. Alberto de Oliveira

21.2.12

MEDITATIVO E ABSORTO





Naqueles dias, eu bebia a luz que emanava do mais longe na linha do horizonte.
Depois esperava, meditativo e absorto, a hora do crepúsculo.
O momento propício ao sono das aves.

E com as aves descia ao íntimo da noite fechada pelo escuro.

J. Alberto de Oliveira

16.2.12

A CANCELA DO JARDIM




Quando abres a cancela
que dá para o jardim

o que dizes ao pensamento?

Em que ponto da melancolia
estremecem os insectos

e as flores do silêncio?

J. Alberto de Oliveira

30.1.12

DA POEIRA DOS SONHOS



Quando acordas
o que transmites à tela das horas?

O que dizes quando regressas
da poeira dos sonhos

afeitos ao curso da memória?

J. Alberto de Oliveira

2.1.12

OS SONHOS






Os sonhos que nos visitam facilmente são esquecidos.
Mas os próprios sonhos não esquecem nada.

A todo o tempo regressam ao infinitivo do verbo sonhar.

J. Alberto de Oliveira

4.11.11

NÓMADA ESTRANHO



Desta vez a lembrança veio ter comigo sem relevos,
sem verbo, sem rodeios.
Irrompeu de lado nenhum, dizendo-me apenas:
“Ó nómada estranho, em terra alheia!”

J. Alberto de Oliveira

DOIS VERSOS DE F. ECHEVARRÍA




Fernando Echevarria, com dois versos apenas, confirma a infinitude:

[…] Mas irmos devagar alarga-nos. Prediz
o nome que teremos ao ver que tudo é grande.

Parafraseando o poeta, por minha conta e risco, pergunto:

E que nome seremos ao ver que tudo é grande?

J. Alberto de Oliveira

2.11.11

O JOGRAL DA ALEGRIA




A imaginação poética e santificante de Francisco de Assis, a partir do momento em que ficou cego, redobrou de louvores para glória das coisas e de seu Criador no tempo e na eternidade.
Sem luz na retina dos olhos que a terra lhe havia de comer, cantou a possessão e o resplendor do irmão Sol.
Repartiu a aura e o louvor pelo corpo dos elementos da vida.
S. Francisco de Assis, o jogral da alegria, intuiu com lídimo fulgor as notas musicais do Universo.
Elevou o desejo de todas as criaturas ao júbilo perfeito.

J. Alberto de Oliveira

24.10.11

AS MINHAS TRÊS VIDAS



As minhas três vidas:

a vida anterior a mim
a vida corrente
e a restante vida.

J. Alberto de Oliveira

30.7.11

O ANJO INEFÁVEL




O anjo inefável
é um ser do céu errante.

Uma sombra de chama
verbal e branca

é o meu anjo da palavra.

J. Alberto de Oliveira
Desenho: José Rodrigues

12.7.11

A ESTÉTICA DO FOGO




Após vinte e sete anos voltei para ler a carta.
Soletrei-a até ao último parágrafo, até ao seu amistoso fecho.
E depois, depois recorri à estética do fogo.
Tenho confiança nos apontamentos da memória e nos recursos da alma.

J. Alberto de Oliveira

ABUNDÂNCIA VIVA






Água infindável
e corredia.

Abundância viva
e primordial.

Matéria escrita
no sentido das linhas

ou dos versos
que a esperam.

Água pronunciada
no dialecto da terra.

Matriz atenta à vida
e à paixão inspirada

que há dentro dela.

J. Alberto de Oliveira



14.6.11

SANGUE LIMPO




Não sou de ascendência nobre.
No meu nome não há posses, armas e pergaminhos.
Nasci com sangue limpo.
Dos meus antepassados herdei o que apenas preservo: a nobreza de alma e de sentimentos.
Nasci do lado do silêncio da memória.
O único destino ou a fortuna que me assiste, me julga e conjuga e faz distinto, é a sensibilidade.
Em mim próprio, a sensibilidade se mistura com a alteza de alma.

J. Alberto de Oliveira

4.6.11

SEGUIR COM O OLHAR





Seguir com o olhar
as coisas sem alcance.

E depois
depois adormecer

na escrita de haver
sono e lembranças.

A invisível sintaxe
de versos brancos.


J. Alberto de Oliveira





27.5.11

MANANCIAL DE ROSA





Primeiro alumiou
a nudez e o aprumo

de róseas manhãs.

Depois veio difundir
a aura do pensamento.

Primeiro foi dádiva
e leitura preciosa

no pulso do tempo.

Depois em cada hora
um manancial de rosa.

J. Alberto de Oliveira

26.5.11

CALIGRAFIA ESTRITA





Se adormeço de olhos
postos no tecto da noite

uma caligrafia estrita
desloca-me o coração.

Troca o sítio da mão.

J. Alberto de Oliveira

27.4.11

PLENITUDE NOCTURNA






Junte-se à branda luz
da lua no mar

a chama da candeia
de ler o júbilo

em linhas perfeitas.

Junte-se à plena paz
da lua no mar

o diamantino apuro
de uma só frase:

a alma em letra pura.

J. Alberto de Oliveira







8.4.11

AO RELENTO





Luzindo ao relento
assim os olhos e o sono.

Assim a língua e o amor
a entoar no pensamento.

J. Alberto de Oliveira

O PENSAMENTO EM SANGUE






Quando ela acendia o lume
a sua mão tremia.

Um feixe de vento negro
e canhestro

abria-lhe na alma
o pensamento em sangue.

Era a lembrança a provir
do gume ávido e rude.

Cortes vivos nela doíam.

J. Aberto de Oliveira

7.4.11

NO HAUSTO DAS FONTES





Amar o silêncio
no hausto das fontes.

Arrebatar ao luar
a furtiva cadência

de frases
cheias de relento.

Transpor o sentido
literal do sono

soletrando os nomes
da água e do fogo.

J. Alberto de Oliveira

19.3.11

FLUIR EM FLOR





Tangíveis eram os versos
que o vento nos trazia.


No sopro matinal 
de abril


ouvíamos as cores
e a alegria do orvalho


a fluir em flor.

J. Alberto de Oliveira

19.2.11

O LABOR DO LUME





Na simetria da casa
estudo o labor do lume.

Demando o instante
verbalmente alumiado.

A hora é entretecida
pelo vivo batimento

de faúlhas e segredos.

J. Alberto de Oliveira

1.2.11

A PALAVRA CERTA






Aos trezentos e sessenta
e cinco dias de claridade

a palavra certa ensina

a desatar os nós
e o peso das horas.

Entre amar e vir a amar

ela induz a mão
cega e amante

a bater à tua porta.

J. Alberto de Oliveira

26.1.11

MARFOLHO




(...) estou hoje intrigada por uma palavra: marfolho.
Encontrei-a no tesouro vegetal da língua.

Maria Gabriela Llansol - Causa Amante

20.1.11

UM VENTO DE TREVAS






Um vento de trevas
alastra nos olhos

com seus fios de frio.

Um vento de trevas
dói tanto tanto

que faz do fogo sentido
a mão certa.

A mão de coisas maternas.

J. Alberto de Oliveira

30.12.10

A LÍDIMA LUZ DA ÁGUA





A lídima luz da água
que se dá a beber

atribui à claridade
a insistência da sede.

Com seu vento a ajustar

o volume do mundo
à matriz do devir

a lídima luz da água
é o verbo inédito da fala.

J. Alberto de Oliveira

11.12.10

EM VERSO LIVRE





Deus escreve em cadernos
de folhas lisas.

Escreve magnificamente
em verso livre.

Deus escreve e não risca
nem as frases nem os versos

magnificamente ilegíveis.

J. Alberto de Oliveira

19.10.10

A JANELA DOS VENTOS




Com o pulso do fulgor
abro a janela

que dá para os ventos
que voam para longe.

Sejam corpo dela
os elementos

de só haver sonho
e o mar da barca bela.

J. Alberto de Oliveira

Photo: Ana Afonso

2.10.10

O OUTONO





Uma pausa absorta
de luz

rente ao sublime.

Aladas folhas
pairam em declive.

É o outono.

J. Alberto de Oliveira

Photo: J. A. de Oliveira

24.9.10

O DELICADO LENÇO





Frases e outros filamentos
de tangíveis lembranças

tecem de sol a sol

o delicado lenço
que me há-de cobrir a alma.


J. Alberto de Oliveira

3.8.10

UMA SÓ VEZ NA INFÂNCIA





Hoje lembrei-me de fugir
com um sonho de sete páginas em branco.


E fui sem dizer nada a ninguém.


Fugi para onde o tempo é um desenho livre.
Fui para o tempo de uma só vez na infância.

J. Alberto de Oliveira

16.7.10

POETICAMENTE





O poema que vou escrevendo irrompe nas folhas de rascunho como um ajuste de contas. Pela trama da emoção, pelo ritmo e rigor que lhe transmito, amadurece luzente e altivo.


O poema que vou escrevendo acontece à hora de vigília clandestina. Respira pela calada sensitiva do pensamento. Esquiva-se ao lápis da censura. Foge ao gume da tesoura inquiridora. Despista qualquer investigação policial.


Quero um poema que minta, ao ponto de se transfigurar em vórtice da verdade.


O poema é segredo e a estratégia. Sangra em silêncio e mistério.


No poema, sou mensageiro de mim ou de quê?
No poema que vou escrevendo, de quem é o desejo?

J. Alberto de Oliveira

12.7.10

UMA GOTA DE CHUVA





Na transparência do vidro
uma gota de chuva

é uma gota de vida só.

É tão minúsculo o abrigo
onde a luz

da alma inteira se recolhe.

J. Alberto de Oliveira


7.7.10

A LÍNGUA NO FOGO







Inteira e alumbrada ardia
nas frases sentidas que lia.

Com o gume cego dos ventos
ia pelo cristal da fala adentro.

Tangivelmente acendia
a língua no fogo de sete dias.


J. Alberto de Oliveira

1.6.10

VIANDANTES DA ALEGRIA





Vieram e bateram 
à porta

os enlameados
viandantes da alegria.

Mas ninguém
ninguém abriu a porta.

E seguiram caminho
por esse mundo fora

perdidos de alegria.


J. Alberto de Oliveira

Photo: Ana Afonso


11.5.10

DA ALMA TANGÍVEL




Acordo para ler
o primeiro sonho

da noite acesa
nos dedos do sono.

Acordo para ler

o furtivo jogo
da alma tangível

nos espelhos
musicais de Deus.

J. Alberto de Oliveira

18.3.10

MATÉRIA ILUMINANTE




Preciso de matéria iluminante
e sensitiva.


Matéria branca e amada
para tecer os lenços da fala.


Preciso de figuras
e lugares famintos de vida.

J. Alberto de Oliveira



Photo: Busto de António Nobre no Funchal

13.3.10

A SABEDORIA DO AVISO




E porque não entendia o sentido, insistiu na pergunta:
- A que te referes: aos porcos ou às pérolas?
- À sabedoria do aviso: não demos pérolas a porcos.
- Os porcos são animais imundos, comem tudo.
- As pérolas são indigestas e muito belas! - disse eu.
- Os porcos não gostam de pérolas?
- Calcam-nas aos pés com voluptuoso desdém.


E não entendia ou não queria entender o sentido.
Mas eu, mais tarde ou mais cedo, ainda hei-de trocar,
por um verso de pérolas, toda a metafísica do mar.


J. Alberto de Oliveira

16.2.10

ÍNDICE PERFEITO




Do alvor de sua voz
nascia o que pedia.

Nascia o índice perfeito
da alegria pura.

Por sete ou mais versos
de amor antigo no coração

pedia uma fatia de vida.

Pedia que lhe dessem
algumas sementes de trigo

para aquela cotovia
que adormecia na sua mão.

J. Alberto de Oliveira

4.1.10

LUMINOSAMENTE





Sob o lenço dos ventos
a vida e o tempo se abrem

doendo luminosamente.

O alvor renasce 
inflamando os segredos 

do sono sonhados
à luz do orvalho.

Dói luminosamente
quando a vida 

em sangue renasce 
da palavra mais atenta.

J. Alberto de Oliveira

15.12.09

A PORTA DO LIVRO




Há títulos de livros que revelam força, pujança e o poder da contemplação. Atraem o olhar e o pensamento. Inspiram desejos e a criatividade.
Há títulos que nos conduzem pela mão ao interior dos seus próprios livros.
Um título pede para nos ligarmos ao corpo do texto e ler até encontrar aquela frase perdida, a frase profunda e fascinante que tem mais poder que todas as outras.
O título e a frase encontrada não são a obra. Mostram apenas um ponto vital, uma chave iluminante, a sarça-ardente do escritor em toda a sua sensibilidade e pensamento.

O acto de ler e reler é propício ao encontro de nós mesmos entrevistos nessa frase perdida no corpo do livro.

J. Alberto de Oliveira


2.12.09

PALAVRAS E ROSAS PRECLARAS




Gosto de palavras e rosas tão insistentes
como verdadeiras e preclaras.

São chamas vivas.

Há palavras que sabem mais de mim
que eu das palavras e da abundância que dizem.

Também há rosas que se entreabrem
e alumiam a fala e o silêncio.

Gosto de palavras e rosas preclaras.

J. Alberto de Oliveira

23.11.09

HELENA, O NOME






No pano cru da vida, o nome de alguém é feito com pontos de luz, sangue, sopro e sílabas.
Um nome não é biodegradável.

Helena, por exemplo, é um nome bonito para sempre.
Aquela que acendeu a guerra de Tróia chamava-se Helena. Todavia, o fulgor e o nome nunca se extinguiram.
Helena, o nome dado a tantas e muitas mulheres, é uma dádiva da fala. Deve ser dito e ouvido.

Vamos falar com a Helena!
Mas, vamos primeiro chamar por ela com a distinta sonoridade helénica.

J. Alberto de Oliveira

8.11.09

UM VENTO DE VIDRO VIVO






Há um vento 
de vidro vivo

a pairar na alma
ávida e vigilante

da beleza de ver.

É um vento 
de frases brancas

que ensinam 
o ofício de tecer

fios de relento.

J. Alberto de Oliveira

NO CRISTAL DA MELANCOLIA






No cristal da melancolia
se traduz o declívio 

da chuva.

Com as suas gotas 
refulgem folhas

o chão duro 
e as verdes ervas.

Em finas linhas de vida
é chuva o que leio.

Uma chuva de beijos
nos vidros da janela.

J. Alberto de Oliveira

22.10.09

DA FALA DESEJANTE





João Viana cobre-se 
de poeira e de alma

quando clama.

Quando infunde
no tecido branco

o sopro 
da fala desejante.

Texto: J. Alberto de Oliveira
Pintura: João Viana