5.10.25

UMA SÍNTESE DA ALMA

 

 

A oração de S. Francisco de Assis correspondia a uma síntese da sua alma em Deus. Era uma fala que subia espontânea ao céu.

 

Contam, por exemplo, as legendas que Francisco uma vez se hospedou e pernoitou em casa do amigo Bernardo, aquele que veio a ser o primeiro dos seus companheiros.

Quando se deitou, depressa fez o semblante de dormir. Bernardo, que momentos depois se reclinou perto, começou a ressonar com muito ruído, como se profundamente dormisse. Francisco, pensando que ele adormecera, levantou-se e pôs-se em oração.

O amigo testemunha que o hóspede assim ficou até de manhã, dizendo apenas o que seus pensamentos em Deus lhe transmitiam:

 ̶  Meu Deus! Meu Deus!

 

Quando Francisco atingia a excelência divina, todo ele se transformava num sentimento fraterno, único, certo e supremo.

 

 

Também eu rezo. Falo com Deus,

Benzo-me em nome de Deus.

Uso muitas vezes o nome de Deus.

Penso em Deus como quem pensa muitas vezes sem querer.

Falo de Deus sem saber falar.

Respeito Deus com muita reverência.

Adoro a Deus não adorando coisas nem pessoas.

 

Eu rezo. Eu falo a Deus sem lhe ver o rosto, sem o ouvir.

Nem sei se ele olha para mim.

O que me interessa é falar. Eu sou falante.

Deus não fala, Deus não reza.

Eu rezo ou falo, erguendo um som, uma onda, um gemido,

um louvor que atravessa a vida.

Quanto menos sei dizer, mais bonita é a minha fala,

porque assim não me distraio com pormenores acerca de Deus.

Enfim, com Deus bendita seja a fala ou reza e também o silêncio.

 

Julgo que Deus não é um necessitado. Não precisa de nós.

Nós é que precisamos de Deus.

Com razão o agnóstico reza:

  ̶  Senhor, eu preciso de ti, mesmo que não existas.

J. Alberto de Oliveira


18.8.25

QUANDO OIÇO AS GAIVOTAS


 

Quando oiço as gaivotas

sei que me trazem do mar

a ciência mais antiga e preciosa.

 

Como quase todos os pássaros

as gaivotas não aprendem a mentir

nem gostam de estar sós.

J. Alberto de Oliveira


10.7.25

CITANDO MANUEL ANTÓNIO PINA



 


Há cada vez mais e mais

palavras vazias.

 

Palavras em abundância

a proclamar

os extremos de tudo.

 

Silêncio.

Ainda não é o princípio

 

nem o fim do mundo.

 

Calma.

É apenas um pouco tarde.

J. Alberto de Oliveira




26.6.25

RETRATO DA ALÍCIA



Fina e preclara de tão imaginativa   

aprende a ler a palavra em folhas nuas.  

 

Coincide com as ideias do ar mais puro

e fala com o vento que passa entre poemas.

 

Sustenta a luz que vem de algures

e brilha quando se inspira no silêncio.

 

Fina e preclara de tão imaginativa

hei-de soletrá-la o resto da vida.

J. Alberto de Oliveira

 

4.5.25

UMA ESPÉCIE DE HAIKU


 

As aves mais pequenas

inspiram a macieira em flor:

fala a primavera.

 J. Alberto de Oliveira


20.4.25

LUAR E PERGUNTAS


 

No mais pequeno recanto da alma

tenho um canteiro de luar e perguntas.

 

O que na alma de outros humanos

talvez seja um viveiro de trutas.

J. Alberto de Oliveira 


14.3.25

AINDA ME FALTA UM TRICICLO



Ainda me falta um triciclo 

ou bicicleta.


Um automóvel 

ou camião para atropelar


com arte 

e muita astúcia


a estupidez que infesta

os dias do mundo.

J. Alberto de Oliveira